PIB angolano encolhe 36% para 52 mil milhões USD desde 2014
São os efeitos da desvalorização do kwanza face à moeda norte-americana e o culpado acaba por ser o suspeito do costume: o sector petrolífero e o seu efeito sobre a economia nacional. O PIB per capita também não pára de cair e um especialista alerta que é preciso olhar de vez para a demografia.
O Produto Interno Bruto (PIB) nacional a preços correntes encolheu 36% entre 2014 e 2024, ao passar de 145,5 mil milhões USD para os actuais 93,3 mil milhões, um afundanço de 52,3 mil milhões USD, de acordo com cálculos do Expansão com base nas contas nacionais publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
São essencialmente os efeitos da desvalorização cambial, já que a moeda nacional afundou 89% face ao dólar desde Janeiro de 2014, ao passar de 95,9 Kz por dólar desde 31 de Dezembro de 2013 para 912,0 Kz no final de 2024.
O PIB é o valor dos bens e serviços finais produzidos num país durante um ano e, de acordo com o relatório do INE sobre as Contas Nacionais do IV trimestre de 2024, medido a preços correntes em kwanzas, o PIB nacional no ano passado foi de 81,1 biliões Kz, representando um crescimento de 4,4% face a 2023, naquele que foi o maior crescimento da economia desde 2014 (4,8%). Nestes 11 anos, o PIB nacional em kwanzas disparou 466% ao passar de 14,3 biliões Kz em 2014 para 81,1 biliões Kz.
Mas se esses cálculos forem feitos em dólares, à taxa de câmbio média de cada ano, verifica-se um afundanço da economia nacional, com uma queda de 36% equivalente a menos 52,3 mil milhões USD. O que para o economista Álvaro Mendonça "resulta sobretudo e principalmente da enorme desvalorização do Kwanza face à moeda americana desde a liberalização do mercado cambial". E a diferença só não é maior, ressalva, porque em 2021 e 2022, ano de eleições, o Kwanza interrompeu o movimento descendente e fechou o ano com uma valorização face à moeda norte-americana.
"Agora, a taxa de câmbio reflecte variáveis da economia com impacto no PIB, como sejam a diferença entre a inflação interna e a inflação dos EUA no caso do dólar, as receitas petrolíferas, que dependem dos volumes de produção e das cotações do Brent (a produção e os preços desceram nessa década), a quebra do consumo privado e o saldo da balança de pagamentos. Estes factores, entre outros, impactaram negativamente no crescimento do PIB em volume, mas, pelo efeito cambial, contribuíram indirectamente também para que o PIB, calculado em dólares, tenha sofrido uma quebra", sublinha o também gestor.
Desde 2014, aquele que foi o ano em que o PIB angolano medido em dólares atingiu o valor mais alto de sempre, a economia nacional tem sofrido vários revés, quase todos eles directa, ou indirectamente, atribuídos ao já suspeito do costume inclusive o ano de 2020 em que decorreu a pandemia da Covid-19: o sector petrolífero. Naquele ano, o País produziu em média 1,661 milhões de barris de petróleo por dia, enquanto em 2024 a média foi de 1,128 milhões de barris diários. São menos 533 mil barris por dia, o que dá menos 194,5 milhões de barris a menos por ano. Não tinha como não afectar o PIB nacional e a economia no seu todo.
Este ciclo de 11 anos de desaceleração da economia nacional está, assim, interligado com o declínio da produção que resultou de vários anos de desinvestimento no sector petrolífero, sector que no final de 2024 tinha um peso de 28,6% no PIB nacional. Aliás, nos últimos 10 anos, apenas por três vezes o PIB petrolífero cresceu face ao ano anterior: 11,1% em 2015, 0,5% em 2022 e 2,8% em 2024, o que permitiu à economia nacional registar no ano passado o maior crescimento homólogo verificado nos últimos 10 anos. "Da análise fina às Contas Nacionais constatamos que o PIB do sector não petrolífero está a crescer mais do que o PIB petrolífero, que inclui o gás. Também constatamos que o contributo do petróleo para o crescimento do PIB tem diminuído, e em alguns anos até tem sido negativo, e que o peso do sector petrolífero no PIB está também a diminuir. São provas irrefutáveis de que a diversificação da economia está a acontecer, embora a um ritmo mais lento do que seria desejável. E a perda relativa do petróleo só não foi maior porque a produção de gás compensou o recuo do petróleo", sublinha Álvaro Mendonça.
E se a economia afundou desde 2014, o PIB per capita, também foi fortemente afectado, o que significa que os angolanos estão mais pobres desde 2014. De acordo com cálculos do Expansão com base na conversão do PIB em dólares à taxa média de câmbio de cada ano desde 2014, e a projecção da população que consta no portal do Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB per capita encolheu 55% ao passar de 5.365 USD para 2.438 em 2024. Ou seja, menos 2.928 USD. A consequência desta queda foi a deterioração generalizada das condições de vida da população num período fortemente marcado pela alta da inflação e forte desemprego.
Leia o artigo integral na edição 817 do Expansão, de sexta-feira, dia 14 de Março de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)