Assassinos em série em Angola
Os assassinos em série têm tendência para a fantasia e a dissociação, passando muito tempo a fantasiar com os actos que querem cometer; essa fantasia costuma aparecer na "assinatura", ou seja, no comportamento ritualístico imutável do homicida.
O que vou relatar é real. Se é uma pessoa sensível, por favor, não leia.
Fiz um estudo de caso para a minha dissertação de mestrado, pela Universidade Independente de Angola, sobre o "Degolador do Camama", um jovem nascido em 2000, no Soyo, que, em Luanda, entre 13 de Abril e 16 de Maio de 2023, atacou cinco rapazes (com idades compreendidas entre os 11 e os 18 anos), dos quais três conseguiram escapar com vida e dois, infelizmente, foram deixados mortos num local isolado.
O julgamento decorreu de Abril a Junho de 2024, presidido pelo inteligentíssimo Meritíssimo Juiz Jair Correia Victor, no Tribunal da Comarca de Belas. Na segunda audiência, a 9 de Maio de 2024, a primeira declarante, mãe de um dos meninos que havia sido vítima mortal do assassino no dia 14 de Maio de 2023, mostrou-se extremamente angustiada e dirigiu-se directamente ao réu: "Tu mataste-me!". Antes de terminar as suas declarações, teve um AVC, tendo sido levada ao colo para fora da sala pelo advogado do arguido. A senhora ficou alguns dias no hospital e faleceu no dia 14 de Maio de 2024, precisamente um ano depois da morte do seu filho.
Durante todo o julgamento, o arguido declarou a sua inocência, sempre muito calmo, por vezes mesmo irónico e até sarcástico, falando bem, sem demonstrar qualquer hesitação, qualquer remorso ou culpa. Tranquilo. Na oitava e última audiência, o Degolador do Camama receberia a pena máxima. Confessaria os crimes algum tempo depois de terminado o julgamento, por entrevista.
O primeiro relato sobre um assassino em série em Angola é, tanto quanto é do meu conhecimento, do Professor Doutor Alcântara Costa. Ele escreveu um artigo intitulado "Cinco crimes de puro terror no Ícolo e Bengo" (02.09.2018), sobre o "Maníaco do Cabiri", um ex- -comando com uma perna amputada, que estrangulou, esquartejou e comeu partes de cinco mototaxistas, em 2018.
Mais recentemente, acompanhámos o caso do "Estrangulador de Luanda", que alegadamente estrangulou e estuprou post-mortem cinco mulheres, antes de ter sido detido por agentes do SIC, no dia 6 de Novembro de 2024 (ver publicação de 07.11.2024, Serviço de Investigação Criminal de Angola - SIC, no Facebook).
Explica-nos Tânia Konvalina-Simas, em "Profiling Criminal - introdução à análise comportamental no contexto investigativo" (2014), que os assassinos em série têm, regra geral, algumas características comuns: matam duas ou mais pessoas de forma ritualística, escolhendo vítimas com um perfil específico, levando, muitas vezes, troféus consigo, para poderem reviver os crimes. Os assassinos em série apresentam, em geral, características psicopáticas (são manipuladores, não sentem remorsos, sentem desprezo pelas regras e leis, não têm empatia, mentem compulsivamente). Os assassinos em série são sádicos, retirando um prazer intenso do sofrimento das vítimas (por isso raramente matam com arma de fogo, preferindo estrangular e apunhalar as vítimas - aumentando o sofrimento, a sensação de controlo e o prazer que sentem). Está presente, nos seus assassinatos, a parafilia, ou seja, tendências sexuais claramente desviantes (associadas, muitas vezes, à necrofilia; à subjugação da vítima; e outros). Os assassinos em série têm tendência para a fantasia e a dissociação, passando muito tempo a fantasiar com os actos que querem cometer; essa fantasia costuma aparecer na "assinatura", ou seja, no comportamento ritualístico imutável do homicida em série. Os assassinos em série são, regra geral, narcisistas, extremamente arrogantes e egocêntricos, acreditando-se intelectualmente superiores (por vezes são apanhados - como é o caso do "Degolador do Camama" - por gostarem de jogar ao gato e ao rato com as forças policiais, e gostarem que os seus actos sejam conhecidos e muito falados). Finalmente, os assassinos em série agem compulsivamente, movidos por pulsões internas que não conseguem controlar, pois nunca se sentem saciados (cf. Konvalina-Simas, 2014, pp. 257-262).
O que podemos aprender com estes casos?
01. Que as pessoas não são todas iguais. Não devemos julgar aquilo que o outro é ou não capaz de fazer a partir dos nossos próprios valores.
02. Que há pessoas capazes de mentir tranquilamente.
03.Que há pessoas incapazes de sentir medo, pena, remorsos ou culpa.
04.Que há pessoas que, mesmo apanhadas em flagrante, tentam culpar as vítimas.
05.Que há pessoas que, mesmo matando, manipulam quem as ouve, esperando gerar simpatia e empatia para com elas. E que o conseguem fazer, muitas vezes!
06.Que ainda que queiramos ajudar alguém, devemos ter sempre o nosso bem-estar e a nossa integridade física como prioridades. Não nos devemos colocar em perigo só para não sermos rudes! É preciso priorizarmo-nos.
Leia o artigo integral na edição 811 do Expansão, de sexta-feira, dia 31 de Janeiro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)