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Bajular para sobreviver

EM ANÁLISE

A bajulação, por parte de uma criança, não é manipulação. É necessidade de sobrevivência. Em adultos, quando bajulamos para reduzir os riscos que sentimos que corremos, de perda de emprego, por exemplo, não estamos a consentir o abuso. Estamos a reagir em modo automático de sobrevivência, para tentarmos manter-nos seguros.

Nós aprendemos desde pequenos, muitas vezes, a tentar agradar aos nossos cuidadores (pai, mãe, tia, avó, outro), como forma de conseguirmos sobreviver a ambientes abusivos, de críticas e exigências constantes, de desvalorização, de maus-tratos, de violência psicológica, verbal, física, sexual.

Sempre alertas, sempre em modo de sobrevivência, rapidamente, automaticamente, pedimos desculpas e elogiamos a pessoa e tudo o que ela diz, não considerando sequer a possibilidade de contradizermos o que ouvimos ou darmos a nossa verdadeira opinião.

Tentarmos agradar, bajularmos e tentarmos fazer com que o nosso potencial agressor se sinta feliz pode ser a nossa resposta automática, mesmo em adultos.

Para entendermos a bajulação como modo de sobrevivência e resposta ao trauma, vou apresentar de forma sintética algumas novidades do mundo da investigação dos transtornos mentais.

Na área da saúde mental, os especialistas recorrem a dois manuais para análise e diagnóstico das perturbações mentais: o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (2013), da Associação Americana de Psiquiatria, que está agora na sua quinta edição (DSM-5), revisada em 2022 (DSM-5-TR); e a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS), que está na sua décima primeira edição (CID-11), publicada em 2022.

O CID-11 refere, pela primeira vez, a perturbação de stress pós- -traumático complexo (PSPT-C ou TEPT-C). E esta perturbação faz todo o sentido! Vem dar nome a algo que todos nós, no fundo, sabíamos que existia e desconfiávamos que nos podia ter acontecido ou estar a acontecer, mas cujos diagnósticos, de amigos e familiares, se pareciam com isto: "Estás maluca? Isso já passou há muito tempo. O caminho agora é para a frente!"; "Tu és muito sensível! Não vi nada de mal nessa frase"; "Porque é que respondeste? Apesar de tudo, é tua mãe/teu pai!"; "Ah! Não fiques assim! Não ligues. Ignora! Não respondas!"; "Não há razão para ficares assim!".

Afinal, a que se refere a PSPT- -C? A perturbação de stress pós- -traumático complexo é um transtorno psicológico e até físico que surge como resposta a interacções complexas, repetidas e traumáticas, em que o indivíduo está num ambiente em que não tem qualquer poder (em que sente que não tem qualquer saída ou possibilidade de fuga), e em que a exposição traumática é prolongada (ocorre, muitas vezes, durante anos).

Como se sobrevive a situações de stress intenso, prolongado, situações de abuso, em que estamos permanentemente alerta, com medo do que irá acontecer a seguir, com medo de mostrarmos aquela nota negativa na prova, com medo por termos ficado mais tempo na rua, com medo de falar, por acreditarmos que somos feios ou pouco inteligentes, com medo de termos feito as coisas erradas, com medo que não gostem do que fizemos e nos castiguem por isso?

Como se sobrevive a um medo com o qual vivemos dia após dia?

O psicoterapeuta Pete Walker, especializado no apoio a adultos que sobreviveram a infâncias traumáticas, publicou, em 2013, o seu extraordinário livro "Complexo Estresse Pós-traumático - DEPT Complexo: da sobrevivência à prosperidade", que dá resposta a essa questão: sobrevivemos através de respostas automáticas.

As respostas automáticas comuns são lutar ("fight"), fugir ("flight") ou paralisar ("freeze"). Pete Walker acrescenta uma quarta resposta: bajular ("fawn"):

1. Lutamos quando nos sentimos ameaçados. Ficamos automaticamente furiosos e respondemos quer de forma física (empurrando, por exemplo), quer através de uma resposta verbal (gritando com o potencial agressor).

2. Fugir é também uma resposta automática: começamos a correr face ao perigo, para nos distanciarmos dele.

3. Paralisamos. O chefe grita connosco, o colega é rude, a colega foi inconveniente, e ficamos paralisados, sem conseguir responder.

4. Bajulamos. Dizemos à mãe que gostamos muito dela, tentamos dar-lhe um abraço ou damos-lhe aquele dinheiro que fizemos a trançar o cabelo da vizinha; tentamos agradar ao pai, mostrando- -lhe uma boa nota que tirámos; tentamos fazer a avó feliz, começando a preparar a comida com todo o cuidado, antes de ela acordar. Tudo para que nos deixem brincar com as outras crianças, para que nos comprem um caderno, para que parem de gritar, para que parem de bater

Leia o artigo integral na edição 797 do Expansão, de sexta-feira, dia 11 de Outubro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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