Desafios de um novo aeroporto
Luanda tem hoje um aeroporto que muito deve orgulhar a cidade, mas a competitividade de um aeroporto mede-se, acima de tudo, pela relação entre este e as companhias aéreas que nele operam. Para o efeito, um entre vários desafios, é o equilíbrio referente às taxas aeronáuticas.
Iniciou-se esta semana a operacionalização dos voos operados pela TAAG para o Dundo, na província da Luanda-Norte, Saurimo (Luanda Sul), Luena (Moxico) e Soyo (Zaire), todos a partir de Luanda, mais concretamente do novo aeroporto de Luanda, o Aeroporto Dr. António Agostinho Neto.
Este é apenas um dos muitos exemplos de voos que, paulatinamente, vão sendo transferidos do Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro para o novo Aeroporto de Luanda, uma operação logística de remonta, faseada, e que deverá estar concluída até ao final do primeiro trimestre de 2025.
Contudo, quando o processo de transferência das operações para o novo aeroporto de Luanda terminar, será não só o final de uma fase na história da aviação de Luanda, mas também o início de uma nova vivência, entre a entidade gestora do novo aeroporto e as companhias aéreas nele instaladas. De certa forma, um aeroporto pode ser comparado a uma família, onde a entidade gestora do aeroporto precisa encontrar um equilíbrio salutar com as companhias aéreas e demais operadores do aeroporto, em benefício de todos. Como em qualquer família, quando existe uma alteração relevante na rotina e nos papéis assumidos por todos, é necessário encontrar um novo ponto de equilíbrio, novos caminhos quando caminhos anteriores podem deixar de fazer sentido.
Um desses pontos de equilíbrio diz respeito às receitas aeroportuárias cobradas nos termos do actual Regulamento de Tarifas Aeroportuárias. As receitas dos aeroportos habitualmente dividem-se entre receitas directamente resultantes da actividade de transporte aéreo (as chamadas "receitas lado ar") e receitas resultantes das actividades acessórias, que não resultam directamente da actividade de transporte aéreo, mas que com ele se encontram conexionadas (por oposição, às "receitas do lado terra"). Entre as primeiras temos, por exemplo, as taxas de aterragem das companhias aéreas, enquanto, entre as segundas, as rendas das lojas de duty free.
Ora, certos aeroportos apenas consideram as receitas do lado ar quando definem as taxas aeroportuárias (a regra "dual till") não utilizando as receitas do lado terra para compensar os custos da operação aérea, o que representa um aumento das taxas aeronáuticas em geral, em benefício do aeroporto. Considerando o desenho do novo aeroporto de Luanda e o maior potencial de receitas do lado terra em comparação ao aeroporto anterior, é importante pensar um modelo de financiamento que apoie os operadores aéreos sem nunca deixar de garantir o capital necessário ao aeroporto que permita a manutenção e desenvolvimento da infra-estrutura.
Por outro lado, também como em qualquer relação, é essencial que as consultas aos operadores sejam valorizadas. Não apenas constam como um dos princípios fundamentais da política de taxas aeronáuticas da Organização da Aviação Civil Internacional, como é cada vez mais considerado boa prática internacional a apresentação, pelo operador do aeroporto, de dados desagregados de custos e receitas não apenas à autoridade responsável pela aviação civil (a ANAC) mas também aos operadores aeronáuticos. A partilha dessa informação permite aos operadores compreender melhor as taxas que são aplicadas, aferir a não discriminação entre operadores (proibida no âmbito da Convenção de Chicago, da qual Angola é Estado contratante), mas também discutir, no fórum de consulta apropriado, medidas de gestão que melhorem a experiência aeroportuária para todos, muito além de discussões técnicas de facilitação e segurança
Finalmente, porque indesejável, mas por vezes incontornável, várias experiências internacionais têm demonstrado o sucesso de mecanismos de resolução de diferendos sobre taxas entre operadores e entidades gestoras dos aeroportos, impedindo o tema de escalar para fora da órbita da família aeroportuária.
Luanda tem hoje um aeroporto que muito deve orgulhar a cidade, mas a competitividade de um aeroporto mede-se, acima de tudo, pela relação entre este e as companhias aéreas que nele operam. Para o efeito, um entre vários desafios, é o equilíbrio referente às taxas aeronáuticas. Outros podiam ser referidos, como aqueles que passam pela preparação da infra-estrutura para o tipo de tráfego dominante, para desafios lançados por novos tipos de aeronaves, como o Airbus A321XLR e até novas formas de combustão de aeronaves, que trarão desafios específicos quanto ao fornecimento de formas alternativas de combustível.
Em conclusão, a maior revolução dos últimos anos na aviação de Angola encontra-se em curso com a implementação de um novo aeroporto que deve ser um ponto de orgulho. Porém, importa continuar a olhar em frente, pois o ambiente aeroportuário nunca é um trabalho terminado.
Artigo publicado na edição 807 do Expansão, de sexta-feira, dia 20 de Dezembro de 2024
Autores
*** FRANCISCO ALVES DIAS, Associado Coordenador da Miranda & Associados, escritório membro da Miranda Alliance
*** CHINDALENA LOURENÇO, Of Counsel da Fátima Freitas & Associados, escritório membro da Miranda Alliance