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Escravo ou dono da minha palavra?

EM ANÁLISE

Nós temos a possibilidade de usarmos lápis de cor e redesenhar todas as nossas relações com os outros e, acima de tudo, connosco. Nós temos o direito de usar uma borracha: para emendar. Para alterar. Para apagar. Para deixarmos de ser escravos da nossa palavra e passarmos a ser donos dela.

O Afonso Miguel é sempre o último a sair do escritório. Não gosta de deixar temas abertos, se houver a possibilidade de os fechar. A sua palavra é importante: se ele garantir que o relatório estará na mesa do chefe na manhã seguinte, então o relatório estará na mesa do chefe na manhã seguinte e ponto final! Ele é de confiança e o chefe sabe.

Na vida pessoal, apesar de ter um ou outro interesse romântico, de vez em quando, nada abala a estabilidade do seu casamento. Prometeu que cuidaria da sua esposa e ficaria com ela para sempre, mesmo quando descobriu que ela não podia ter filhos: e é isso que fará. É verdade, a Valéria não está a facilitar-lhe a vida, sempre com a mãe e as irmãs lá em casa, sempre com intrigas e ciúmes infundados, mas ele prometeu, está prometido! Relativamente à sua família, quando ele tinha apenas 6 anos, o pai, antes de desaparecer, sentou-se com ele, olhou-o nos olhos e perguntou-lhe: "Sabes o que distingue um homem? A sua palavra!".

"Sim, papá" - respondeu o Afonso Miguel. "Dás-me a tua palavra de homem de que cuidarás da mamã e dos manos?". "Sim, papá!" - disse o Afonso Miguel, muito orgulhoso da sua palavra e da confiança que o pai depositava nele. Jurou, internamente, jamais falhar: "É isso que faz de mim um homem!". Claro que o facto de um homem adulto, o pai do Afonso, ter passado a sua responsabilidade de pai para uma criança de 6 anos, prendendo-o a uma promessa, passou completamente despercebido ao Afonso. O que ficou foi uma certeza: "Não irei falhar"! E o Afonso Miguel não falha: prometeu, está prometido. Cuidará da mãe, dos irmãos, da esposa, do escritório. Será um homem! Um homem de palavra. Um escravo da sua palavra.

Se a palavra fosse suficiente, não assinaríamos contratos. Os contratos sustentam a nossa palavra, mas não só: acautelam a possibilidade de não os renovarmos, de os rescindirmos, de os reajustarmos, de acrescentar mos adendas, ou mesmo de os quebrarmos. O contrato protege ambas as partes. No entanto, muitos de nós, muitas vezes, nos nossos relacionamentos pessoais e até profissionais, deixamos de fora a parte que nos protege.

Somos justos com todos excepto com nós mesmos. Não conseguimos dizer "Não", não conseguimos impor limites. Não há cláusulas sobre os nossos direitos. E, no entanto, estes são fundamentais. Estar numa relação com outros adultos onde todas as obri gações são nossas, onde todas as responsabilidades são nossas: não é justo. É uma relação que nos prejudica. Mas justificamo- -nos: "Epa, já prometi e sou escravo da minha palavra". A expressão "escravo da minha palavra" é interessante. Atentemos na palavra "escravo".

O escravo é aquele que não tem direitos, que não decide, que só cumpre ordens, que não pode decidir, sequer, a hora de acordar ou de ir dormir, e cujo único propósito de vida que lhe é permitido é tornar a vida do outro mais fácil, melhor. O escravo é um "indivíduo que foi destituído da sua liberdade e que vive em absoluta sujeição a alguém que o trata como um bem explorável e negociável" (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Sujeitamo-nos à nossa palavra como se não tivéssemos o direito de repensar no compromisso que aceitámos.

Mas então: a nossa palavra não tem valor? Não devemos cumprir o que prometemos?

É claro que a nossa palavra tem valor. A nossa credibilidade depende dela. A confiança que conquistamos depende da nossa capacidade de sermos percepcionados como honestos e responsáveis. A nossa reputação está ligada à nossa palavra. Mas não nos esqueçamos que, se só temos deveres e não temos direitos: há que repensar na palavra dada.

Podemos mudar de opinião ("Afinal, olhei para a minha agenda, e percebi que não consigo entregar no dia 15, lamento"); podemos mudar de sentimentos ("Sim, eu sei que eu disse que te amaria para sempre e que envelheceríamos juntos, mas o que eu sentia mudou."); podemos questionar o que nos foi pedido e retirar a nossa promessa ("Eu sei que disse que o faria, mas vamos lá ser sérios: EU é que tenho de acordar cedo para supervisionar os trabalhos na TUA casa? Esquece.").

Leia o artigo integral na edição 752 do Expansão, de sexta-feira, dia 24 de Novembro de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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