Quem tem medo do good governance?
Na governação corporativa o dono da propriedade, embora tenha uma responsabilidade social, é soberano para fazer falir a sua empresa e vender os seus activos. Mas será que no sector público o agente da gestão é soberano para usar mal e destruir os activos do ente público que somos todos nós?
"As manobras políticas mostram-se tão vergonhosas que são em grande parte conduzidas à porta fechada".
JLorde Rosebery, primeiro-ministro do Reino Unido (1894-1895)
Lembram-se do velho ditado: "O segredo é a alma do negócio"? Bem, parece que nos tempos modernos, esse lema ganhou uma nova interpretação. Hoje, a frase deveria ser actualizada para: "O segredo é a alma da corrupção, nepotismo e falta de transparência!" Num mundo onde os segredos não protegem mais estratégias comerciais, mas sim esquemas ilícitos, é evidente que a verdadeira inovação reside em como esconder malfeitores.
O segredo..., aquela arma antiga e poderosa, serve agora como escudo para encobrir actos de corrupção. Contratos milionários são assinados em reuniões secretas, comissões generosas são distribuídas discretamente e favores são trocados longe dos olhos curiosos do público. Tudo feito com um sorriso e um aperto de mão, enquanto a sociedade é mantida na escuridão. E, portanto, há pavor de uma boa governança. Transparência, prestação de contas, a tal de accountability e responsabilização, são termos que causam calafrios.
Ainda há quem se questione o que é isso Corporate Governance? E ainda mais, Good Governance? Okay, vamos tentar explicar. Na governação corporativa o dono da propriedade, embora tenha uma responsabilidade social, é soberano para fazer falir a sua empresa e vender os seus activos. Mas será que no sector público o agente da gestão é soberano para usar mal e destruir os activos do ente público que somos todos nós?? Respondam! Para os que não sabem, a responsabilidade pública é mil vezes mais crítica porque representa um todo entregue à confiança.
Então, porquê ter medo do good governance? Respondam?! Claro que a boa governança ameaça o status quo desses espertalhões, expondo as suas falcatruas e tirando-os das suas zonas de conforto. Revelar a verdade poderia significar o fim de contratos lucrativos, o desmoronamento de impérios construídos sobre favores e, pior ainda, a responsabilização pelos actos cometidos.
Relembrar que o "Good Governance", ou boa governação, é um conceito cunhado e amplamente promovido pelo Banco Mundial desde os anos 1990, como parte das suas políticas e programas de desenvolvimento com o objetivo de incentivar governos e instituições a adoptar práticas que promovam o desenvolvimento económico sustentável e que reduzam a pobreza. Isso não é ciência abstracta. Isto é apenas um elemento para reflectir e questionar a razão para que este conceito tenha ganho ampla aceitação...
A responsabilidade pública não se compadece com as "obras-primas" da opacidade. Vozes nacionais levantam-se todos os dias pedindo explicações para os ajustes directos, para o uso excessivo da contratação pública pelo método simplificado ou para as inconstitucionalidades com impacto nos direitos económicos fundamentais(1). Cada vez mais precisamos de um enquadramento legal que não crie uma via verde de "simplificados", "créditos adicionais" que, embora legais, não deixam de ser eticamente questionáveis em face das prioridades económicas.
Precisamos de um governance de equilíbrios, os tais "checks & balances", por estarem em causa segredos sobre os últimos beneficiários e sobre a eficiência e eficácia do value for money dos contratos especiais. Pois quem não deve não teme. Se existem relatórios financeiros ou pareceres... estes são escondidos em labirintos burocráticos, pois as decisões importantes são tomadas em sessões fechadas e essa informação que poderia trazer à luz a verdade são mantidos fora do alcance do público. O segredo, mais uma vez, é o herói obscuro desta tragédia nacional moderna.
E quem se beneficia de tudo isso? Não são os cidadãos comuns que pagam os seus impostos e esperam, ingenuamente, que os seus líderes trabalhem por um bem maior. Quem tem medo de transparência? Respondam! Estamos (a maioria) a pagar um preço muito alto, não apenas nos bolsos, mas também com o risco reputacional. Corremos o risco de agravar o risco-país e o preço da vida e do bom investimento com a nuvem que paira sobre o possível retorno à lista cinzenta do GAFI. Que retrocesso...
Leia o artigo integral na edição 788 do Expansão, de sexta-feira, dia 9 de Agosto de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)