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Grande Entrevista

"Quando olho para Luanda, em termos de infra-estruturas, um novo aeroporto era a última das prioridades"

PEDRO CASTRO | CONSULTOR EM AVIAÇÃO, AEROPORTOS E TURISMO

O consultor em aviação e aeroportos defende que a última coisa que o País precisava era de um novo aeroporto em Luanda. Para o especialista, o que se verifica a nível do transporte aéreo no País é um retrocesso. Quanto à TAAG, Pedro Castro diz que, num ambiente praticamente monopolista no qual a companhia opera, não há motivo nenhum para dar prejuízo. E se tem estes resultados é porque alguém costuma roubar.

Daquilo que tem acompanhado sobre Angola, como especialista, que avaliação faz do sector da aviação angolana?

Em primeiro lugar, é preciso perceber que Angola é o sétimo maior país de África e era, até há bem pouco tempo, um país que tinha apenas uma cidade com um aeroporto certificado para receber voos internacionais. E se nós compararmos, até ao nível da CPLP, é muito fácil de ver que, por exemplo, Moçambique tem sete aeroportos e, repare, que Moçambique é menor do que Angola, Cabo Verde, que até aos anos 2000 tinha apenas um aeroporto internacional, tem hoje quatro aeroportos internacionais. Portanto, é só olhar para isso. Num país com a dimensão de Angola, só em Dezembro passou a ter duas cidades com aeroportos internacionais, e quanto tempo passou até isso ter acontecido?

O país precisa de mais aeroportos?

Um ponto fundamental aqui em Angola é criar, neste país tão vasto, mais portas de entrada, seja para turismo, negócio, ou o que quer que seja. Quando nós olhamos, por exemplo, até em termos de negócio, Ponta Negra, no Congo, e Cabinda são cidades irmãs e com um determinado nível de negócio. Mas, se repararmos na quantidade de companhias aéreas internacionais que aterram em Ponta Negra (no lado do Congo), como a Sky, a Ethiopian Airlines, a Air France, a Turkish, temos a Kenya Airways, e uma séria de companhias que utilizam aquele aeroporto e do lado angolano não temos. Parece que até é o irmão pobre. Angola recebeu agora a certificação do segundo aeroporto internacional, na Catumbela, mas se olharmos para os países vizinhos, e até para a CPLP, vem com extremo atraso.

Porquê?

Por exemplo, Cabo Verde fez isto há 20 anos. O último aeroporto internacional que inauguraram foi o da Boa Vista e o de São Vicente, mas começaram todo este processo bem lá atrás. Em Moçambique, por exemplo, eu costumo dizer que cada aldeia está ligada a Joanesburgo no mínimo, e tem seis aeroportos internacionais. Então, há aqui claramente um atraso nessa perspectiva, no meu entender.

Mas Angola inaugurou, em Dezembro de 2023, um novo aeroporto internacional.

Olhando por este prisma, a última coisa que precisávamos era do novo aeroporto em Luanda. Não era uma coisa necessária! Precisávamos que este aeroporto (4 de Fevereiro), que está bem localizado, fosse redimensionado, tornado o terminal algo muito mais prático. Esta entropia que foi montada, era relativamente fácil de desmontar. E a prova também de que isto é uma desnecessidade é que, se quiser, usando o critério quantitativo, muito importante na aviação, que é o da quantidade de lugares que as companhias aéreas no seu total oferecem para um aeroporto.

Quando diz que é um aeroporto "desnecessário", refere-se ao tamanho, à localização, refere-se a quê? Nota que o novo aeroporto internacional Agostinho Neto vem 20 anos depois do prometido.

A primeira nota é que aquele aeroporto vem com esse atraso, e na altura em que foi programado, parecia que o Airbus A380, um avião gigante, com dois andares e com muitos passageiros, era o futuro da aviação nesse tempo. Portanto, construiu-se este aeroporto de Luanda com duas pistas a pensar também nesse avião que tinha acabado de sair da linha de produção, em termos do primeiro protótipo. Hoje em dia, 20 anos depois, esse avião não é mais produzido. São muito poucas as companhias que o operam e não há nota de ninguém que queira utilizar esse avião para o aeroporto de Luanda. Portanto, essa é uma primeira desnecessidade.

E qual é a outra?

A desnecessidade é, sobretudo, em termos de política pública. Nós temos aqui um investimento de milhões de dólares.

O novo aeroporto custou cerca de 7,5 mil milhões USD.

Pois. Além dos milhões de dólares, depois tens os acessos, tens a prioridade que foi a linha de comboio para ali. E quando olho para Luanda, em termos de infra-estrutura, o novo aeroporto era a última das prioridades, numa lista infindável de prioridades para o dinheiro público e até para o investimento estrangeiro, que eventualmente se possa fazer em determinadas áreas.

Falava da capacidade do novo aeroporto...

Eu falava também do critério de desnecessidade em relação à capacidade. O actual aeroporto de Luanda (4 de Fevereiro) não tem um crescimento que nos diga que alguma vez aquele aeroporto, de agora Icolo Bengo, vai ser útil e necessário num espaço de tempo que permita sequer rentabilizar aquele investimento. Olhando para o critério da capacidade, eu pergunto: quantos lugares é que todas as companhias colocam no mercado à venda para o Aeroporto 4 de Fevereiro? O que nós estamos a verificar é que a capacidade prevista para o aeroporto de Luanda em voos domésticos para 2025 é aproximadamente aquela que existia em Luanda em 2005, há 20 anos, e que é aquela capacidade que vai ser transferida para o novo aeroporto.

E em termos de voos internacionais?

Em termos de voos internacionais, ou seja, quantos lugares é que as companhias internacionais estão a colocar à venda no mercado para 2025, isto é já aferível em sistema, neste momento, em 2025, nós estamos ao nível da oferta que existia em 2015. Portanto, o que se verifica a nível do transporte aéreo em Luanda, é um retrocesso. Não estamos a ver aqueles números todos. Foi, no fundo, aquilo que também originou ou que justificou a construção de um novo aeroporto. E, ao mesmo tempo, estamos a ouvir a narrativa de que, para atingir esses números, precisamos de criar aqui um hub.

É o discurso que muito se ouve. Diz-se que, com o novo aeroporto internacional, Angola pode tornar-se num hub para África e não só.

Um hub de uma companhia estatal que já tem prejuízos e que, no fundo, requer uma enormidade de dinheiro público que é investido em algo que os angolanos pouco ou nada aproveitam. E, sinceramente, eu diria que se 5% dos angolanos viajarem de avião e, se desses, metade deles viajarem na TAAG, já é com muita sorte. Portanto, nós estamos aqui a investir dinheiro público ao desbarato num sector que abrange uma franja mínima da população.

Leia o artigo integral na edição 815 do Expansão, de sexta-feira, dia 28 de Fevereiro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. (Saiba mais aqui)

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