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Grande Entrevista

"99% das exportações angolanas para a Bélgica são diamantes e outros minerais"

JOZEF SMETS, EMBAIXADOR DA BÉLGICA EM ANGOLA

O diplomata revela que as relações comerciais entre os dois países estão a renascer. Lembra que Angola não era conhecida na Bélgica, porque a cooperação foi muito fria, apesar dos mais de 40 anos de relações. Entende ser necessário falar sobre as transformações no País, mas também é preciso acabar com o "show" da AIPEX e melhorar efectivamente o clima de negócios.

Mais de 40 anos de relações entre os dois países. Nos últimos quatro anos esteve a representar a Bélgica em Angola. Que balanço faz do seu mandato e do País que encontrou e que deixa em Junho?

A avaliação é positiva. Embora sejamos um pequeno estado da União Europeia, actuamos dentro das políticas da União Europeia. O nosso sentimento é de um País novo. Estou a referir-me ao período que começou em 2017. Muitas coisas mudaram na nossa relação com Angola. Estamos convencidos de que poderemos reforçar a nossa cooperação.

A eleição do actual Presidente veio trazer outro dinamismo à cooperação entre os dois países?

A mudança foi de grande significado para nós ao viajar para a Bélgica, isto é, dentro da União Europeia, um ano depois da sua eleição. Foi uma visita económica focada principalmente em Antuérpia. Foi uma visita interessante, se olharmos para o passado das relações entre os dois países. Percebemos uma Angola que estava pronta a abrir as suas portas para a diversificação das parcerias em todos os domínios. Sempre tivemos a ideia de que Angola estava mais focada nas relações com alguns parceiros e sempre os mesmos. Esta situação foi entendida como política de exclusão por alguns países e investidores.

Está a querer dizer que isto foi um entrave aos vossos interesses?

Para ser sincero, não conhecíamos bem Angola, apesar do longo período de relações. É só olhar para aquilo que são as áreas de cooperação. São poucas as empresas belgas em Angola e tudo por causa da política de exclusão que se viveu. Entendemos que Angola talvez não precisava tanto de nós, como parceiro económico, como precisou de outros países dentro da União Europeia. Digo que o sector petrolífero dominou as relações económicas de Angola com o resto do mundo e é aí que vemos a China a dominar. Hoje tudo isto mudou e estamos aqui para dizer que estamos prontos para explicar aos angolanos que o Reino da Bélgica tem muito para oferecer a este mercado.

A Bélgica quer oferecer o quê?

Com toda a modéstia, somos um país com pouco menos de 12 milhões de habitantes e com um território bastante limitado. Somos o primeiro "cluster" petroquímico da Europa e temos o segundo maior porto da União Europeia. O porto não é só a entrada e saída de mercadorias, mas é também uma zona económica muito importante que Angola pode aproveitar. O nosso "core business" não está no agronegócio, mas no sector mineiro e é isto que estamos a vender aos angolanos. E queremos que haja vantagens mútuas. Vamos actuar nos sectores que já mencionei.

A Bélgica estaria disponível a ajudar Angola a desenvolver a indústria petroquímica?

Estamos a avaliar e queremos participar no desenvolvimento da indústria petroquímica angolana. Não temos a ambição de expandir investimentos no sector da agricultura, precisamos de focar um determinado ramo de actividade e pensamos que o sector petroquímico e os diamantes poderão ser as prioridades. Estamos a efectivar a cooperação portuária e nos diamantes. Só para ter uma ideia, 95% das exportações angolanas para a Bélgica são diamantes e 4% outros minerais, enquanto 1% são equipamentos. E isto é o reflexo do passado deste País. Estamos no sector das águas, energias renováveis e no sector ferroviário. Temos um consórcio para a gestão do corredor do Lobito e uma das empresas a participar na gestão do CFB é belga. A Vecturis é uma empresa belga com larga experiência na gestão das linhas férreas pelo mundo. Tem várias participações na Europa e isto faz dela uma empresa credível. O concurso que permitiu a escolha da Vecturis, pelo que sei, foi bastante transparente nas suas diversas fases de selecção e apuramento.

Confiou no concurso da concessão da linha férrea?

Temos três empresas: uma portuguesa, uma sueca e uma belga. Penso que não houve irregularidades, mas é complicado para quem se sentiu afastado e a preferência tenha recaído nestas três empresas. A embaixada não interferiu no processo, porque decidimos não pressionar e deixámos que tudo fosse feito com transparência.

Está a querer dizer que houve quem pediu a vossa ajuda?

Não propriamente. Fomos informados pelas autoridades, enquanto decorria o processo de selecção e avaliação das candidaturas. O que nós fizemos foi explicar às autoridades que a empresa belga é muito séria e tem um currículo longo na gestão das linhas férreas na Europa e tem conhecimento da realidade africana, porque está na RD Congo, onde já actua também no sector ferroviário. O caminho-de- -ferro não vai ter um desenvolvimento sustentável sem compromissos sérios. E vamos agora ver que os minérios sairão de Catanga para o Porto do Lobito. Este é um parceiro que o Estado angolano encontrou para rentabilizar aquela infra-estrutura.

A parceria portuária consiste especialmente em quê?

Não vamos apostar na construção de grandes infra-estruturas portuárias em Angola. A cooperação resume-se apenas à formação dos quadros angolanos, desenvolvimento sustentável, segurança portuária e questões ambientais. Chega em Abril uma delegação belga a Angola para constatar e cimentar esta cooperação porto a porto. Esta é a nossa prioridade. Não temos interesses no sector agrícola.

Tudo isto é resultado da visita do Presidente angolano à Bélgica?

Posso dizer que qualquer visita deste nível abre portas aos actores estaduais. O Presidente conseguiu vender um país novo e temos muitos empresários a visitar outros a pedirem mais informações sobre o mercado angolano e o clima de negócios, condições, justiça e sobre a estabilidade do País.

Sente que o mercado angolano interessa às empresas belgas?

Digo que tudo é um desafio. E sei que ainda há muito para melhorar no ambiente de negócios em Angola. Estas não são as minhas palavras, é o discurso oficial em Angola. As autoridades reconhecem que existem alguns entraves em certas questões, como a burocracia e o sistema judicial. Entre 2019 a 2021 assistimos mais palavras, exprimir a vontade e anunciar coisas, mas na prática ainda existe burocracia institucional que retrai o investimento estrangeiro. Ainda há problemas para a obtenção de vistos para os empresários. Existem problemas no sector bancário e na Justiça. As empresas trabalham num país onde o Estado de direito funciona.

Já recebeu reclamações sobre estas questões?

Uma pequena crítica, a AIPEX, por exemplo. Fala-se muito do bom clima de negócios em Angola, mas tudo não passa de "show". Entendemos que estão a fazer os possíveis para vender Angola, mas a realidade diz-nos o contrário. Acontece muitas vezes que num confronto directo com as empresas estrangeiras, a AIPEX não consegue dar respostas concretas aos empresários. E isto acontece com quase todos os investidores estrangeiros.

Ainda não existe abertura da parte angolana?

Anunciar mudanças é muito importante, mas na nossa perspectiva não existe esta abertura que tanto se anuncia. Há que melhorar muita coisa.

Sente que há ainda muita burocracia, quando se trata de negócios?

Claro. No entanto, Angola tem espaço para melhorar o ambiente de negócios. Não sou eu apenas que digo isto, as próprias autoridades têm noção do que estou a dizer, porque falamos disto nos nossos encontros oficiais. O secretário de Estado da economia foi muito aplaudido quando disse que Angola tem muito para melhorar. No meu país também temos burocracia, não posso dizer o contrário. Mas para aquilo que são as necessidades de Angola, é importante melhorar. Não se pode dizer que tudo está muito bem. Não posso dizer que nas empresas está tudo bem.

Está a querer dizer que isso seria um ponto de atracção do investimento estrangeiro?

É uma motivação europeia. Angola e a União Europeia acabaram de assinar um acordo de cooperação e a ideia é que este acordo seja assinado este ano em Benguela no business, União Europeia-Angola.

Esta é a resposta do fórum realizado em Bruxelas no ano passado?

A primeira edição foi realizada em Bruxelas com uma delegação governamental que se deslocou a Bruxelas. E agora vai ser um pouco o inverso. A ideia é que seja no âmbito da União Europeia. E queremos mobilizar empresários dos dois países. Para mim não é fácil porque a empresa belga envolvida no Caminho-de-ferro de Benguela e a nossa Câmara de Comércio e Indústria de Bruxelas está muito interessada. Podemos falar de outros interessados portuários, ferroviário e diamantes. Quando cheguei a Angola não sabia muito sobre o sector dos diamantes e hoje entendo que se trata de um sector desafiador e há essa visão do Governo em Angola de promover mais o valor nacional e não só vender mais diamantes e arranjar dinheiro, mas também arranjar o sector profissional. Hoje o meu papel é tentar explicar esta política em Antuérpia. E vamos continuar a dizer para que as autoridades angolanas possam mudar de mentalidade. Em Angola não se governa todo o valor acrescentado dos diamantes, nem há formação local. Como embaixada, é nossa obrigação explicar aos actores económicos. Não estou cá para vender a Bélgica em Angola, mas também para influenciar os nossos actores económicos e dizer que Angola de 2017 não é a mesma de 2022.Posso dizer que há muitos avanços. O paraíso não existe em nenhum país. Posso dizer que existem avanços.

(Leia o artigo integral na edição 718 do Expansão, desta sexta-feira, dia 31 de Março de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)