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Grande Entrevista

"Infelizmente temos de viver com os players do mercado paralelo para sobreviver"

RUI SILVA - EMPRESÁRIO

Num diagnóstico ao tecido empresarial, sobretudo na área de serviços, o empresário Rui Silva expõe as suas ideias para mitigar os problemas cambiais. Ao Expansão, o criador do Clube S revela uma das causas que está na base da débil qualidade dos serviços e aponta soluções.

Durante dois anos as empresas foram fortemente afectadas pela pandemia. De lá pra cá, o que mudou no tecido empresarial angolano?

Em primeiro lugar, as empresas tiveram de se reorganizar, porque houve mudanças de hábitos e costumes das pessoas. Houve uma redução do poder de compra. Houve muitas empresas que se foram abaixo, não aguentaram, outras que se mantiveram. Outras empresas ficaram mais ricas, como, por exemplo, uma empresa do ramo da saúde que fazia testes de Covid, essas enriqueceram naquela época. No ramo da restauração e do entretenimento foi o recomeçar de tudo. Houve mudanças, no sentido de que, antes da pandemia, as pessoas iam muito à discoteca depois da meia-noite, uma da manhã e hoje vê-se que as pessoas saem mais cedo de casa e já não saem com tanta frequência. Estamos a falar, se calhar, do pessoal dos 25 anos para cima.

Isso afectou todo o sector do entretenimento?

Ao nível de entretenimento, as discotecas começaram a ter mais problemas, porque os shows começaram a ter mais importância, uma vez que as pessoas habituaram-se a estar sentadas a ouvir música e a conviver, em vez de estarem horas e horas de pé. No nosso ramo fomos muito afectados, porque fomos os primeiros a fechar e os últimos a abrir, ou seja, levou algum tempo até nos conseguirmos reorganizar.

Os angolanos aprenderam alguma coisa com a pandemia?

Todos nós na vida aprendemos coisas com tudo o que nos acontece e com tudo o que está à nossa volta, mal de nós se não aprendermos com as boas coisas e as más coisas. Acredito que as pessoas aprenderam que têm de poupar para numa situação como aquela terem algum dinheiro para sobreviver. Acho que as pessoas e as famílias aprenderam, tanto que hoje em dia noto que as pessoas escolhem onde vão, não é como antigamente que só queriam sair. Hoje as pessoas já seleccionam muito bem onde vão, ou seja, só vão quando são coisas que realmente gostam. Antes da Covid, à sexta-feira, estava toda a gente na rua. Hoje as pessoas também contam muito o dinheiro, tem muito a ver com o baixo poder de compra.

E como estão a correr os seus negócios depois da pandemia?

Nós, graças a Deus, passamos uma temporada francamente terrível, em que tivemos de pôr dinheiro para a empresa sobreviver, porque era impossível estar a abrir. Estivemos três meses fechados, em que pagámos salários a mais de 100 pessoas, pagámos rendas. Tivemos um prejuízo muito grande durante pelo menos esses meses. E quando começaram a permitir que estivéssemos abertos até às 21h00 ou as 22h00, aí começámos a ganhar algum dinheiro e a reorganizar o nosso negócio. Até aqui está a correr bem.

E quanto é que investiu nessa altura?

Foi um investimento de 60 milhões Kz.

A pandemia deixou sequelas no empresariado da restauração?

Acho que deixou sequelas e que tem a ver com os hábitos que as pessoas adquiriram. Ficam sempre sequelas quando a pessoa está bem e de repente perde 50 ou 60 milhões Kz, sem prever. Esses 60 milhões fazem falta e teve de ser injectado para a empresa não fechar durante aquele período.

O que é mais desafiante no dia- -a-dia de uma empresa de prestação de serviços em Angola?

A conjuntura social não é boa. Desde Junho do ano passado, com o aumento exponencial das divisas, em que a população perdeu o poder de compra, ficou claro que ficou tudo muito mais difícil para todos e para as famílias, logo, isso afectou a economia no geral. Temos muita oferta e pouca procura, então acredito que há muitas empresas, muitos restaurantes que mais dias ou menos vão fechar porque não têm procura, ou seja, vão sobreviver os mais fortes e os mais fracos vão caindo. Acho que esse é o grande desafio, é pôr a economia a funcionar outra vez, é gerar mais emprego é gerar mais investimento.

E como é que se faz isso?

Olha, tenho umas ideias. Uma das minhas ideias é que temos de explorar áreas que neste momento não estão exploradas, como o turismo. Penso que estamos muito abaixo daquilo que podemos fazer no turismo. Vê-se países, mesmo africanos, que vivem todo o ano do turismo. Em Angola temos calor, temos um bom ambiente, as pessoas são simpáticas, que falta é abrirmos mais o País para o mundo. Falta investirmos em infraestruturas, falta tirarmos a ideia de que Angola é perigosa. Toda a gente tem medo de Angola, e com alguma razão, porque os últimos tempos não têm sido francamente fáceis, há muitos assaltos há muita gente a morrer na rua, há muitas coisas não boas e é preciso também, por exemplo, criar estradas para Benguela, Namibe, Malange e para o Lubango, de forma a aproximar Luanda desses centros. Temos zonas tão bonitas, tão espectaculares que a pessoa pode fazer turismo de norte a sul.

Um dos factores que condiciona o crescimento do turismo nacional é a qualidade dos serviços. O que deve melhor na prestação de serviços?

Pode se fazer muitas coisas. Vou dar um exemplo. No embarcadouro a luz é débil, falha muitas vezes, água corrente não temos. Em qualquer país do mundo a pessoa tem, pelo menos água e luz, que são as coisas básicas, e nós por não termos água e luz temos um custo anormal para o funcionamento das nossas instalações. Estamos a falar de um estabelecimento que fica no centro de Luanda, devia ser a prioridade. Temos falta de formação das pessoas, falta de escolas, depois é o panorama social. Com um desemprego tão alto, em que a pessoa que trabalha contigo é a única a ganhar dinheiro na sua casa, o que acontece muitas vezes é que essa pessoa a primeira coisa que tenta fazer é roubar.

Os funcionários roubam?

Um dos problemas que a gente tem é o roubo e quando isso acontece os jovens ficam pouco tempo nas empresas, porque mais dia, menos dia são apanhados. Esse é um problema que nós empresários temos. E que se o panorama nacional melhorasse, se houvesse mais escolas de formação, tudo isso ajudava a que o serviço melhorasse.

Isso influencia nos serviços prestados?

Como é que se pode ter um serviço bom se o empresário tem de estar sempre a mudar de pessoal, porque o pessoal tem problemas. Uns depois dizem, mas se pagasses mais. Sim, mas às vezes não é o que ganha menos que rouba, às vezes é o que ganha mais. O roubar tem a ver com as necessidades das pessoas. Agora o que é que se pode fazer? É a conjuntura que tem de resolver esse problema.

Leia o artigo integral na edição 764 do Expansão, de sexta-feira, dia 23 de Fevereiro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)