"O nosso ambiente de negócios, a começar pela carga fiscal e a dependência de divisas, inibe qualquer investidor"
Sofia Chaves, CEO da IMCUBA Angola, defende mais formação, transparência e responsabilidade para que as empresas tenham maiores sucessos, num mercado condicionado por constrangimentos e uma carga tributária desajustada sobretudo para as pequenas empresas.
Muitas empresas reclamam do sistema fiscal angolano, alegando que a tributação é excessiva e desajustada à realidade. Justificam-se estas reclamações?
Justifica-se, em parte. Porque ainda não há uma harmonização fiscal. A AGT tem de olhar para isso. Quando os impostos são tabelados, todos levam a mesma carga e não faz sentido. Não faz sentido que pequenas empresas levem cargas fiscais tão elevadas, comparadas com grandes empresas. Por isso, é que a mortalidade das empresas é muito elevada, principalmente nos três primeiros anos.
Como é que se resolve isso?
Diminuindo a carga tributária para as pequenas empresas. Quando as empresas estão a iniciar o negócio têm sempre dificuldades de tesouraria, e a carga tributária devia ser menor. E também com alguma consultoria fiscal. O número de criação de empresas é muito elevado, mas também a morte. Cerca de 90% das empresas desaparecem num ano, porque os empreendedores, antes de abrirem a empresa, não têm consultoria fiscal. Acho que isso é um serviço que a própria AGT e o Guiché Único deveriam ter. Antes de qualquer empreendedor criar a sua empresa devia ter uma consultoria fiscal. Não é só abrir o negócio. Há regulamentos a seguir, que muitos desconhecem, e depois, quando se apercebem, não têm condições de pagar e as empresas vão à falência.
Falta literacia fiscal aos empreendedores?
Falta. Falamos muito em literacia financeira e pouco abordamos a literacia fiscal. Desde o momento em que abre uma empresa, que existe NIF, há obrigações fiscais. Acredito que se nós passássemos essa literacia fiscal no acto de abertura de empresas, a maior parte de empresas não morria.
Porquê?
Ao abrir, já tínhamos a consciência dos requisitos a seguir e aí conseguíamos logo, desde o início, controlar. E muitos que abriram empresas por emoção, não abririam, porque já saberiam das responsabilidades que iam ter e não se atreveriam. Iriam aguardar que ficassem mais consolidados para depois abrir as suas empresas.
É isso que leva algumas empresas angolanas, sobretudo as micro, pequenas e médias empresas, a não terem o sucesso esperado no mercado?
A falta de literacia fiscal e também a falta de estratégia de negócio. Estas duas. O que vemos aqui é que as pessoas abrem empresas muito mais por emoção e não por razão. Quando se abre um negócio, tem de ser por razão, acima de tudo. Temos de começar a trabalhar menos com a emoção. É preciso saber o que a empresa vai acrescentar ao mercado. Como sustentar a empresa... Porque só posso abrir uma empresa se trouxer algo para além do que já existe. Se for mais uma, não vai sobreviver. Falta este conhecimento, não só fiscal, mas ter uma estratégia de negócio e como se diferenciar no mercado.
De que forma os potenciais empresários podem adquirir este conhecimento, esta estratégia, para que possam desenvolver os seus negócios com sucesso?
Uma das coisas é aliar-se sempre a uma consultoria. Antes de abrir qualquer negócio, ter esclarecimentos numa consultoria financeira. Porque muitas vezes criamos negócios, mas só quando a AGT nos vai bater à porta é que vamos atrás do fiscalista. Isso é pior. Por exemplo, é preciso saber qual é o regime fiscal onde a empresa vai estar? Quais são as taxas que vai ter de pagar, em termos de impostos? Sabemos que a empresa, nos primeiros meses, não tem rendimentos suficientes, mas vai ter a carga fiscal e vai ter de pagar. E este esclarecimento fiscal e tributário vai ajudar a criar uma tesouraria para suportar os primeiros tempos.
Isso não tem acontecido?
Por isso, acho que o Guiché Único e a AGT, no acto de abertura de empresas, deveriam dar a todo empreendedor sessões sobre como ter uma contabilidade organizada. Quais as taxas para os seus negócios, como é que deve organizar a sua tesouraria para que ele consiga dar os primeiros passos. Na Europa faz-se isso. Se quer abrir uma empresa, tem uma checklist para cumprir.
A consultoria, para quem está a começar, não é um custo, olhando para a dificuldade de recursos financeiros para se criar um negócio?
É um investimento. É um investimento para não haver custos duplicados e triplicados quando a autoridade tributária bater à porta. Por isso, é que nós falamos muito de desenvolver e posicionar o negócio. Fortalecer as micro e pequenas empresas, porque têm poucos recursos. O Estado devia comparticipar esses programas de formação.
De que forma?
Essa formação inicial podia ser dada por formadores internos do INAPEM e certificados. E a formação seria para o próprio empreendedor, investidor. Não o seu representante ou colaborador. Estar lá algumas horas sentados. E só depois de ter conhecimento e saber quais são os riscos.