Conflito Egipto/Etiópia sobe de tom com ameaças cruzadas
Em causa está a construção da barragem no Nilo pela Etiópia. Mas conflito estende-se a outros países e outros sectores. O Egipto assinou um acordo militar com a Somália, vizinho da Etiópia, e esta semana enviou os primeiros soldados. Os discursos dos governos sobem de agressividade com ameaças de medidas mais duras.
O conflito começou em 2011 quando a Etiópia iniciou a construção da Grande Barragem do Renascimento Etíope (GERD), aquela que será a maior barragem hidroeléctrica de África, no Nilo Azul, um afluente de onde provêm 85% das aguas do rio Nilo. A questão da legitimidade do funcionamento da barragem voltou a semana passada ao Conselho de Segurança das Nações Unidas com mais uma iniciativa diplomática do Egipto, que escreveu uma carta que acusa a Etiópia de violar o direito internacional ao continuar a encher a barragem sem o acordo dos países a jusante. Na resposta, a Etiópia escreveu ao Conselho de Segurança que o Egipto deve abandonar a "abordagem agressiva" sobre este assunto e deixar de usar aquilo a que chamou "ladainha de alegações infundadas", reforçando que este país estava "apenas interessado em perpetuar o seu autoproclamado monopólio" sobre o rio.
O Egipto vê a barragem do Nilo na Etiópia como uma ameaça existencial e alertou que tomará "medidas" caso sua segurança seja ameaçada. O país depende do rio Nilo para quase toda a sua água doce, necessária para as famílias e agricultura, em especial o cultivo de algodão que é muito importante para sua economia. Mas também para encher o Lago Nasser, o reservatório da maior barragem hidroeléctrica do país, a Repressa Alta de Assuã. Reforça a sua posição com dois tratados, de 1929 e 1959, que deu ao Egipto e Sudão os direitos de todas as águas do Nilo e o direito de vetar projectos de países a montante (como a Etiópia).
Já a Etiópia argumenta que não tem que estar vinculada a tratados antigos, lembrando que a GERD vai produzir electricidade para 60% da sua população, que nesta altura não tem acesso a energia, e pode também exportar para países vizinhos como Sudão, Sudão do Sul, Quénia, Djibuti e Eritreia. É fundamental para o seu desenvolvimento económico e decisiva para o futuro do país. A barragem está quase concluída, está a encher o reservatório desde 2020 e já começou a produzir energia.
Agora o conflito estendeu-se a outros países da região. A semana passada o Egipto enviou dois aviões C-130 com militares para Mogadíscio, a capital da Somália e vizinho oriental da Etiópia com quem este país tem problemas, sinalizando o início do acordo militar que foi assinado no início de Agosto durante a visita de Estado do presidente somali ao Cairo. O plano é que até 5.000 soldados egípcios se juntem à nova força da União Africana no final do ano, com outros 5.000 supostamente a serem enviados separadamente.
Isto é visto pela Etiópia como uma ingerência na estabilidade da região e no conflito diplomático que mantém com a Somália, uma "vingança" face à construção da barragem, tendo respondido que não poderia "ficar parada enquanto outros actores tomam medidas para desestabilizar a região". O ministro da defesa da Somália reagiu, dizendo que a Etiópia deveria parar de "chorar", pois todos "vão colher o que plantaram", numa referência às relações diplomáticas que estão em declínio há meses.
Neste fim de semana, o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, alertou contra ataques ao seu país , dizendo que qualquer um de "longe ou de perto" que ousasse invadir o país seria repelido.
Recorde-se que ao longo dos últimos anos a Etiópia tem sido uma aliada fundamental da Somália na luta contra a Al-Qaeda, relação que se quebrou quando no início do ano o primeiro ministro etíope, Abiy Ahmed, assinou um acordo controverso com a autodeclarada república separatista da Somalilândia para alugar uma secção de 20 Km no seu litoral para instalar uma base naval, garantindo o acesso ao Mar Vermelho.
A Somalilândia separou-se da Somália há mais de 30 anos, mas o governo daquele país considera-a parte de seu território, e descreveu o acordo como um ato de "agressão". Isto poderia levar a Etiópia a reconhecer oficialmente a independência da Somalilândia, abrindo um precedente e encorajando outros países a também o fazerem.
A Etiópia não tem litoral mas precisa de um porto para desenvolver a sua economia. Anteriormente fazia o seu comércio pelo Djibuti, cujo o governo também já reagiu a este acordo. Numa primeira fase este país estava relutante em dar à Etiópia acesso sem restrições ao Mar Vermelho, mas em recentes declarações à BBC, o ministro das relações exteriores, Mahmoud Ali Youssouf, disse que o "seu país está pronto para oferecer acesso 100% a um dos seus portos, no porto de Tajoura, a cerca de 100 Km da fronteira da Etiópia". Recordar que a economia do Djibuti também depende deste circuito comercial das importações e exportações da Etiópia.
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