"Não estamos preocupados em aparecer, estamos preocupados em transmitir valores"
O actor de teatro interventivo fala dos desafios da cultura do País, onde defende que o teatro é o filho menos valorizado de todas as artes desenvolvidas em Angola.
Começou a fazer teatro em 1996. Qual é o balanço que faz do seu percurso?
Artisticamente, faço um balanço muito positivo. Pelas conquistas profissionais e artísticas. Ao longo dessa carreira de 29 anos tive muitas conquistas, o que dá uma certa satisfação. Claro que continuamos a sonhar atingir outros patamares a nível artístico, mas por aquilo que temos conseguido, num País como o nosso, cheio de dificuldades, em que só se começa a ganhar um pouco mais de profundidade, consciencialização e uma certa valorização das artes nos últimos tempos, sim, tenho uma carreira sólida, artisticamente. Falo artisticamente, porque como artista consegui o respeito granjeado pelos colegas de arte, pelos críticos e também pelo público. Na minha galeria, tenho vários prémios como actor, como o Globo de Ouro. Sou um actor que saiu na enciclopédia que reúne os melhores actores do mundo. Então, sobre isto, estamos sim, meio que realizados. Contudo, essa valorização artística não é acompanhada do lado socioeconómico.
O artista não vive só de reconhecimento?
Nós somos seres humanos e numa sociedade como a nossa, em que temos de provar todos os dias quem somos, temos de fazer todos os dias para poder ser aceite, então fica um pouco complicado. Porque os anseios a nível da nossa realização pessoal também são vários. E, às vezes, quando não atingimos ou não conseguimos satisfazer aquilo que são as nossas necessidades diárias, aquilo que é a nossa satisfação como ser humano, de certo modo, também isso dá-nos uma certa frustração. Essa é a realidade que temos. Mas a nível artístico, de palco, aceitação, respeito profissional está tudo bem.
Até que ponto a arte consegue garantir-lhe estabilidade financeira?
A arte aqui, sobretudo no mundo da representação, é muito volátil. Constantemente estamos num gráfico com curvas ascendentes e descendentes. Porque nós temos de correr todos os dias para sermos, por exemplo, alimentados. Se não estiver inserido em algum projecto, não tens como torná-la sustentável. Não temos plataformas ou políticas que salvaguardem a nossa actividade ou os profissionais da arte, sobretudo da arte representada. Então não é tão sustentável.
O que faz além do teatro?
Olha, essa é uma pergunta que fica muito difícil de responder quando nos é direccionada, porque gostaríamos só de fazer, pensar e respirar teatro. Mas isso é possível quando se tem alguém que pague as contas. Quando, por exemplo, se é adolescente e se está sob a responsabilidade de um pai ou de uma mãe que há-de colocar o prato de comida à mesa. Mas quando é você o responsável por alimentar uma família, velar pela sua imagem, ter casa, um carro, fica muito difícil, porque a pessoa não tem um rendimento diário ou mensal, a pessoa tem de se reinventar. Então fica muito difícil tornar esta arte sustentável. Mas temos de encontrar outros caminhos. Estar inserido no mundo empresarial. Eu particularmente tenho um pequeno empreendimento. Sou prestador de serviços, que dá o garante mensal, que dá a sustentabilidade mensal. Mas fora isso, quase estaremos a mendigar.
Como entra para o teatro?
Entro porque queria fazer alguma coisa útil para a sociedade. Nasci e cresci no Rangel e, na altura, os jovens, adolescentes da minha faixa etária, a tendência era caírem para o lado do crime, das drogas, e diante daquele cenário e pela educação familiar que tive, vi que tinha de fazer alguma coisa útil, que pudesse contribuir para tirar os jovens daquele cenário. Então, na igrejaconvidaram-me para fazer uma apresentação, éramos quatro jovens, e depois da apresentação começaram a ter considerações favoráveis e foi assim que me enquadrei num grupo infantil juvenil na altura, denominado o Grutis. Na altura, tinha 14 anos.
Que análise faz do teatro nacional?
Olha, já tivemos vários momentos em que a arte sempre teve o seu papel interventivo. No período pós-independência, o teatro servia como ferramenta importante para aquilo que era a moralização, o resgate dos valores, sobretudo da nossa angolanidade. Nos anos 90, tivemos o surgimento de novos grupos, novos actores, uma juventude a emergir que veio das igrejas e a posteriori fizeram também o teatro de resgate de valores, em que se contribuía muito para temas sociais, íamos buscar mais a nossa valorização cultural, os nossos hábitos e costumes. Neste período de paz começamos a ver outros fenómenos, em que os temas são mais diversificados, também dada a própria globalização.
E hoje?
Actualmente há uma grande redução no que concerne à internacionalização. Praticamente deixámos de viajar. Deixámos de experimentar outros palcos, sendo que a tendência dos grupos era experimentar vários festivais de teatro, mas desde 2014 que se notou um recuo nesse sentido. Os grupos passaram a ter pouca possibilidade financeira para custear os seus bilhetes. Quando os grupos se envolvem em festivais vão colher experiências artísticas, organizativa e sobretudo formativa. E, de lá para cá, há uma redução. Não se experimenta novos palcos e fazemos muito a nível interno. O que, de certo modo, vai retrair a nossa forma de pensar e de criar, artisticamente falando. E se o actor não acompanha os tempos, fica reduzido no tempo, a nível de experiência, criatividade e de inovação. Mas há uma grande vontade de continuar a fazer teatro.
















