O imperialismo russo
Mesmo em tempos mais recentes - pós-independências africanas - a Rússia nunca se coibiu de mostrar a sua apetência imperialista, tendo utilizado diversos instrumentos para tal, sendo talvez o mais notório, nessa fase, o Conselho Mundial da Paz.
Para muitos dos mais velhos não se esperaria que a meio do segundo decénio do século XXI - Século XXI, não século XIX ou século XX - se estivesse a assistir a uma descarada invasão de um país europeu soberano (com assassínios em massa das populações, que estão a suscitar investigação da parte dos tribunais internacionais de crimes contra a Humanidade), na base de argumentos falaciosos e historicamente discutíveis. Um desses assenta, segundo a Rússia, Putin e os adeptos da russofilia, na necessidade de desnazificar a Ucrânia e os seus dirigentes, descontando-se no final do dia que Putin é um verdadeiro autocrata e autoritário e anti-democrata.
Para além de argumentos de recomposição e reagrupamento do Império Russo de Ivan o Terrível (Crimeia tomada de assalto em 2014, Geórgia invadida em 2008) e de defesa dos russos que se encontram nas regiões autónomas da Ucrânia. Teme-se que a reconfiguração territorial não se fique por aqui. A opinião pública mundial voltou-se contra o czar Putin, com excepção dos suspeitos do costume, incluindo o Partido Comunista Português.
Mesmo em tempos mais recentes - pós-independências africanas - a Rússia nunca se coibiu de mostrar a sua apetência imperialista, tendo utilizado diversos instrumentos para tal, sendo talvez o mais notório, nessa fase, o Conselho Mundial da Paz, através do qual se pretendia fazer a apologia do comunismo por todo o planeta (o Presidente Agostinho Neto foi um dos condecorados por esta organização). Hoje é o conhecido Grupo Wagner (composto de facínoras, ex-militares e mercenários) que é utilizado para se impor, em nome da ideologia de Putin, arranjos condizentes com os interesses da Rússia. De que país se trata afinal?
Alguns dados estatísticos caracterizam a Rússia como país em desenvolvimento e emergente na Europa (classificação do FMI e do Banco Mundial), com taxas de crescimento do seu PIB baixas e oscilantes ao longo de muitos anos e valores do PIB por habitante inferiores a 10.000 euros anuais. Entre 1991 e 1998 este país viveu em permanente recessão económica, com um decréscimo acumulado do PIB de -55,3% e, consequentemente, uma degradação do nível de vida da sua população. Dados mais recentes colocam a Rússia com taxas de variação real do PIB baixas.
A Rússia e o seu modelo político de imposição de ideias e restrição de pensamento, de expressão e de manifestação estiveram durante muitos anos presentes em Angola e na arquitectura do socialismo, cujos efeitos nefastos ainda hoje se fazem sentir, na economia e especialmente nas mentalidades. Nos primórdios da independência nacional os acordos de pesca então celebrados entre Angola e a Rússia (travestida de União Soviética) - na base da pesca de arrasto - iam tendo por consequência a desertificação das costas marítimas, tal a intensificação no uso de meios de arrepelão, que levavam peixe, flora marítima, plâncton, etc., praticamente tudo. Estes e outros acordos celebrados em nome do Internacionalismo Proletário e da ajuda da Rússia à construção de uma nova economia em Angola deixaram a população depauperada em termos alimentares, num contexto de início de generalização da guerra civil e de crise económica e social.
Nós, angolanos e proprietários das plataformas continentais e dos acervos pelágicos, íamos ficando com o carapau e o peixe espada, durante muitos anos a única dieta disponível nas mesas das nossas famílias. Felizmente que alguns dirigentes angolanos, mesmo da área do socialismo internacionalista, repudiaram e denunciaram estes acordos, de onde resultaram arranjos e ajustamentos nos seus conteúdos. Não tivessem sido estas atitudes, provavelmente hoje não tínhamos o mare nostrum.
(Leia o artigo integral na edição 665 do Expansão, de sexta-feira, dia 11 de Março de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)