Reflexão: auto-responsabilização e accountability - II
É urgente desenvolver a accountability das e nas instituições! Dando continuidade ao artigo de reflexão anterior, falamos hoje da responsabilização sob o ponto de vista da perspectiva organizacional. Neste âmbito, podemos analisar esta problemática sob o ponto de vista da accountability.
A prestação de contas significa ter de explicar os desvios nos resultados esperados face às expectativas estabelecidas. Ela implica o acto de 'prestar contas', o acto de ter responsabilidade e a autoridade para agir e aceitar as consequências lógicas e naturais pelos resultados obtidos com determinado comportamento.
Nas instituições, ela funciona como um 'adubo' poderoso: no sector privado, aumenta a vantagem competitiva; no sector público, facilita a concretização do desígnio do bem comum. Os funcionários dessas instituições são mais produtivos, mais motivados e empenhados, faltam menos e geram menor atrito.
Para ela existir, não basta que um elemento, isoladamente, se auto-responsabilize, é necessária a implementação de uma cultura organizacional de accountability . Com esta cultura, quebra-se o ciclo de culpabilização a que começámos por aludir no primeiro artigo. Na prática, o que podem as instituições fazer para implementarem uma cultura de accountabilty?
Em primeiro lugar, a accountability é algo que a pessoa escolhe exibir, não lhe é atribuída externamente. A instituição ou a liderança podem dar responsabilidade às pessoas, mas cada uma delas é que escolherá assumir a accountability, através da auto-responsabilização. Em segundo lugar, as instituições necessitam de implementar acções básicas mas poderosas para que a cultura organizacional se forme em torno da accountability.
Por exemplo, as instituições precisam de: (1) Definir expectativas, identificando claramente o que é esperado para a instituição (missão, estratégia e valores), e de cada funcionário (quais são as suas tarefas e responsabilidades). Se um funcionário não sabe o que é esperado de si, o que tem de fazer e quais os limites das suas responsabilidades, mais facilmente poderá 'descarrilar' e entrar num ciclo de ociosidade;
(2) Fomentar o comprometimento, levando as pessoas a 'casarem-se' com o que lhes é atribuído; para tal, é necessário mostrar-lhes qual é o impacto do seu trabalho para a concretização da missão da instituição; por outro lado, é necessário, envolver as pessoas, chamando-as a participar na própria definição das suas responsabilidades, dentro daquilo que é razoável. Se um funcionário não tiver a noção de qual é o impacto da sua actuação (por mais insignificante que lhe possa parecer o seu trabalho), mais facilmente cometerá erros ou se comprometerá menos;
(3) Avaliar/medir a evolução, através da avaliação de desempenho, ferramenta central na gestão de recursos humanos, que permite aferir o nível de proficiência dos funcionários e identificar formas de promover o seu desenvolvimento profissional. Se não se fizer esta aferição, mais facilmente se desconhece a evolução e não se encontrarão medidas para promover esse desenvolvimento dos funcionários e, consequentemente, a melhoria da prestação da instituição;
(4) Dar feedback, dando conhecimento, o mais imediatamente possível, sobre qual seu nível de desempenho, o que está a fazer adequadamente, e o que necessita fazer para melhorar o que não está a conseguir fazer dentro do esperado. Pressupor que a pessoa tem noção das suas dificuldades é meio caminho para que a comunicação entre chefia e funcionário não seja eficaz; usando a transparência, a coragem e a imparcialidade, torna-se mais fácil (e eficaz) dar esse feedback;
(5) Aplicar consequências: a aplicação de consequências contingentes ao comportamento é uma forma poderosa de fomentar e mudar comportamentos nas pessoas. Seja através da perda ou da atribuição de benefícios, seja ainda através do benefício monetário ou moral (por exemplo, o elogio e o reconhecimento). Se um funcionário falta injustificada e sistematicamente e não perde salário, voltará a faltar; se um funcionário é zeloso e esforçado e não é reconhecido pela sua chefia com um simples elogio, poderá deixar de se esforçar.
(6) Avaliar a eficácia e ajustar o sistema de gestão de pessoas. Se as medidas e consequências implementadas não funcionarem, devem ser revistas. A burocracia deve ser alheada desta situação, já que um grande sistema que não funciona é pior que um sistema mais humilde, mas que funciona!
No seio da criação de uma cultura de accountability está a liderança. Os pais, os professores, as chefias, os líderes comunitários, os políticos e os cidadãos são os mentores da criação e da disseminação da cultura organizacional. Para tal, eles necessitam de ter coragem e firmeza, mas também de brandura.
A auto-determinação das pessoas e dos povos requer auto-responsabilização e accountability . Para sermos auto-determinados, necessitamos da coragem. Sem coragem, os líderes não se conseguem impor para conduzirem os demais para o bem comum. Como disse Che Guevara, "o verdadeiro revolucionário é guiado por sentimentos maiores de amor".
Ana Rocha - Psicóloga e Consultora da A+ Angola