Colecção infantil lança heróis inspirados em cinco países africanos
Confrontada com a ausência de heróis africanos, a jornalista Paula Cardoso criou um projecto editorial para que as crianças negras se sintam representadas no universo editorial. Angola está presente na Força Africana pela Nzinga e pela ilustradora.
Força Africana nasceu do encontro entre uma jornalista, nascida em Moçambique, e uma ilustradora que nasceu em Angola. Como se deu este encontro?
Costumo dizer que foi o Google que nos apresentou, porque cheguei à Irene [Filipe Marques] a partir de uma pesquisa. Não me lembro dos termos exactos, mas sei que juntei algumas variações das palavras ilustrador, afro, Portugal e livros infantis. Estava à procura de um ilustrador ou ilustradora, que, tal como eu, tivesse raízes africanas e ramificações na diáspora. Como a Irene define o seu estilo como "um alegre euroafrotropicalismo", não foi preciso procurar mais.
A Força Africana (FA) tem 5 personagens. Quem são elas?
As aventuras da FA são protagonizadas por 3 meninas e 2 meninos, cada um representa um país africano de língua portuguesa (PALOP). A Nzinga é de Angola, o Crioulo de Cabo Verde, a Bijagós da Guiné-Bissau, a Macua de Moçambique e o Cacau de São Tomé e Príncipe. Mais do que qualquer outro traço, é a sua diversidade étnico-racial que queremos enfatizar. O objectivo é que as crianças negras se identifiquem com os nossos heróis, que se sintam representadas. Falo não apenas em termos de imagem, essencial para a auto-aceitação, mas também de valorização da História africana, processo dificultado por uma narrativa escolar fechada na escravatura e na colonização.
O que distingue a angolana da moçambicana?
Todas as nossas personagens têm poderes inspirados nos seus países. Por exemplo, a Nzinga consegue brilhar como um diamante e correr como uma palanca negra, enquanto a Macua tem o poder de criar e descodificar mensagens secretas, graças à diversidade linguística moçambicana. Estes elementos vão enriquecer as histórias, ficcionadas, com dados reais sobre África.
Que traço têm em comum?
A crença de que juntos somos mais fortes é o denominador comum das aventuras.
Como é que chegaram à caracterização de cada uma destas personagens?
Criei as personagens, dando-lhes nomes que tivessem que ver com a cultura dos seus países e poderes relacionados com a sua realidade. Por exemplo, a heroína guineense nasceu no arquipélago que lhe dá nome - Bijagós - e, por isso, tem uma personalidade aquática: fala com peixes e respira debaixo de água.
Elas têm preocupações económicas, por exemplo, com a alfabetização financeira das crianças?
Como tem uma componente didáctica, todas as preocupações cabem no projecto. Mas não queremos que os livros repliquem lógicas de lição escolar, de mero débito de conhecimentos. Uma abordagem da alfabetização financeira tem de surgir como extensão da história que está a ser contada. Por exemplo, num dos livros partilharemos preocupações sobre caça furtiva e preservação das espécies porque falaremos de elefantes.
A Força Africana é uma "narrativa de acção afirmativa" para quem, como a Paula, cresceu num país, Portugal, onde os "manuais escolares" e as histórias infantis eram ilustradas de uma só cor, acabando por levá-la a confrontar-se com a ua invisibilidade. Quer dizer que é um projecto editorial virado para Portugal?
É um projecto virado para crianças negras, estejam onde estiverem. A partir da minha vivência, que inclui o contacto com crianças africanas e afrodescendentes dos chamados "bairros desfavorecidos" das periferias de Lisboa, sei que é urgente mostrar- lhes que têm o direito de sonhar, que não estão presas a uma narrativa de exclusão e subordinação. A FA nasce para dar resposta a esta urgência, por isso, os conteúdos não estão voltados para um país em específico. Fazem sentido em qualquer contexto de promoção da diversidade étnico-racial e de celebração da herança cultural africana.
Há data marcada para o lançamento do 1.º livro?
Preferimos não revelar datas porque estamos na 1.ª fase de divulgação: a criação de seguidores no Facebook e Instagram.
Como vai chegar a Angola?
Para além de livros teremos e-books, formato que torna o produto exportável para todo o mundo. Também ponderamos, se o número de encomendas e as parcerias justificarem, fazer a distribuição fora de Portugal. O mercado do livro infanto-juvenil está em crescimento em Portugal.
Angola acompanha essa tendência?
Tendo em conta o período em que vivi em Luanda, entre 2013 e 2016, parece-me prematuro falar da existência de um mercado do livro infanto-juvenil. Assisti ao lançamento de livros neste segmento, mas não recordo um único novo autor porque se tratava sobretudo de reedições.
Jornalista aventura-se na literatura infanto-juvenil
Profissional das palavras escritas, Paula Cardoso é jornalista há 16 anos, trajecto iniciado na revista portuguesa Visão. Ainda em Portugal, país de diáspora familiar, integrou, em 2006, a equipa fundadora do semanário Sol, experiência que lhe abriu as portas do mercado angolano, onde, entre 2009 e 2016, assinou artigos nos semanários Expansão, Agora e Novo Jornal. Nascida em 1979, na cidade da Beira, em Moçambique, licenciou-se em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa, e fez o Curso de Especialização em Jornalismo, no Centro Protocolar de Formação para Jornalistas (Cenjor). Pelo caminho tornou-se sócia do Sport Lisboa e Benfica, uma das suas grandes paixões a par das viagens, dos livros, do cinema e do teatro. Adora diversificar leituras e neste momento divide a sua atenção por vários livros.