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"O ambiente especulativo é que faz a história. Não há aqui uma busca pela verdade"

ERY CLAVER

Uma conversa sobre o enredo e as motivações por trás do filme "Nossa Senhora da Loja do Chinês", a primeira longa metragem do realizador angolano, que voltou recentemente do importante Festival de Locarno, na Suiça, onde fez sucesso internacional.

A narrativa evita apresentar uma opinião concreta do realizador e isso dá origem a inúmeros dualismos - algo muito presente na sociedade angolana - seja nas personagens, na fotografia (cenas escuras que alternam com outras com muita luz), no amor e ódio entre o casal Bessa e Domingas, o sincretismo entre o catolicismo e as religiões tradicionais, a narração em cantonês e as personagens que falam em português. É uma forma de permitir diversos olhares sobre o filme?

Era bem minha intenção, foi propositado. Tenho muita experiência na questão visual, tenho marcações cromáticas muito assertivas e que já experimentei muitas vezes em algumas curtas. Neste filme, como era um projecto muito maior, sabia que não ia ter capacidade para estar tão direccionado para a câmara como anteriormente ou quando sou apenas director de fotografia, como no "Ar-condicionado". Aqui sabia que ia realizar, escrever, filmar, estava muito preocupado com o texto e com a direcção de actores, estava muito, muito focado naquilo e tive de convidar o Eduardo Kropotkine, que trabalha aqui comigo na Geração 80, para fazer a direcção de fotografia. Mas sempre com muitas orientações, discutimos muito.

Que tipo de orientações?

Disse ao Eduardo que para a Domingas (Cláudia Pucuta) precisava de um ambiente fúnebre, um ambiente a queimar, tipo cólera total, colérico mesmo. E nós fizemos alguns testes de câmara com retratos, experimentámos várias cores e criámos aquela palete mais castanha, mais amarela, mais febril.

E para as cenas no exterior?

Para o rapaz, o Zoyo (Willi Ribeiro), eu sempre disse que precisava de electricidade, de algo eléctrico mesmo, Luanda a bater. Gosto de dizer que tinha nos bolsos dois ou três cineastas, de um lado estava o Pedro Costa e Ingmar Bergman, do lado direito era o Wong Kar- -Wai para a parte urbana. Também colou um pouco com as características que aprecio, gosto muito de filmes asiáticos e foi ali que me inspirei para essa forma de narração urbana, por assim dizer. Mas nós tivemos muito trabalho a desenvolver nessa fase e depois tínhamos uma espécie de puzzle para montar, mas era um puzzle propositado. Eu tinha um poema, não tinha algo muito marcado e depois tive de fazer isso com a Kamy [Lara, assistente de realização], que me ajudou a organizar o guião original. Se isto não tivesse acontecido, o filme podia ter ficado muito mais confuso e disperso. Mas eu gosto dessa dispersão da humanidade, gosto dessa dualidade, não gosto de coisas fechadas.

Para ir de encontro à ideia de que todos os seres humanos têm vários rostos, várias camadas, qualidades e defeitos?

Exacto, prefiro algo com muitas camadas. Como não somos muito profissionais, entre aspas, nós tínhamos como referência as marcações visuais de cena para nos ajudar a estar sempre no mesmo mood, no mesmo espírito.

Fazer cinema em Angola implica desempenhar várias funções e tocar vários projectos ao mesmo tempo?

Sim, e se não tivéssemos esses elementos que carregam logo... Por exemplo, alugámos uma casa para fazer as cenas do casal Domingas e Bessa (David Caracol). E a casa estava ali, logo que entras sentes aquela tensão. Nós ainda atirávamos fumo lá para dentro e deixávamos as velas criar uma certa densidade. Eu assisti a muitas cenas fúnebres, perdi os meus pais com 14 anos e vivi essa coisa de funerais, nessas alturas entras numa sala e quase consegues cortar o ambiente, de tão denso. Era isto que queríamos marcar no filme. Tudo isto tem várias leituras, é muito dual, e o texto que escrevi para o Bessa e para a Domingas visava criar um conflito entre eles, até para eu perceber quem tem razão. O texto não favorece nem um, nem outro.

(Leia o artigo integral na edição 690 do Expansão, de sexta-feira, dia 2 de Setembrode 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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