Mercado de seguros volta a crescer muito abaixo da inflação
O aumento dos prémios brutos emitidos pelo sector para o I semestre deste ano foi de apenas 6,3%, um crescimento real negativo face ao valor da inflação para o mesmo período. O sector volta a encolher, tendo como pano de fundo uma realidade onde as famílias e as empresas, no geral, têm cada vez mais dificuldades financeiras.
Em termos práticos, as vendas do acumulado das seguradoras que operam no mercado angolano, de acordo com a ARSEG para os primeiros seis do ano, foi de 237.537 milhões Kz contra os 222.997 milhões Kz de igual período em 2023. O ramo doença com 72.318 milhões Kz, um pouco mais de 30% do total, continua a ser o mais importante, seguido das apólices para o sector petroquímico com 51.176 milhões kz (21,5%) e os seguros de trabalho com 22.144 milhões Kz (9,3%).
O desafio de crescer acima da inflação foi superado no exercício de 2023, depois de nove anos de crescimentos reais negativos. Mas no primeiro semestre deste ano os prémios voltaram a crescer muito abaixo da inflação, uma situação que preocupa os operadores do mercado que olham para os seguros obrigatórios e produtos de baixo custo para os segmentos mais baixos, como alternativa para aumentar as vendas e tentar reequilibrar as contas nos últimos seis meses do ano. Ainda recentemente o regulador fez saber que vai defender a obrigatoriedade do seguro automóvel para todos os veículos do Estado, com excepção das viaturas militares, policiais e de segurança, o que estima-se, poderiam ser mais de 100 mil apólices.
Walter Bravo, administrador executivo da Mundial Seguros, confirma que superar ritmo da inflação continua a ser um grande desafio para o sector segurador, mas quanto ao exercício de 2024, revela que pode haver alterações no crescimento das vendas no último semestre, porque é no IV trimestre que se fazem as renovações dos seguros para vigência de 2025.
"As maiores renovações, e sobretudo os seguros de grandes riscos acontecem entre o IV trimestre deste ano e o Iº de 2025, isso pode gerar alterações a nível do volume de prémio que se prevêem. Não está tudo perdido, mas tenho muitas dúvidas que este ano a taxa de crescimento consiga superar a inflação. Tenho pouca esperança, aliás, a própria inflação também vai num ritmo acelerado e ficará muito difícil ultrapassar este crescimento", confirma.
Crescer abaixo da inflação representa uma grande perda para as seguradoras em função dos custos associados a actos administrativos e de indemnização, uma vez que os seguros têm como função de reposição de bens sujeitos a risco segurável. "Temos muitos riscos nas apólices onde os capitais estão indexados a moeda estrangeira e o processo indemnizatório acaba por ser muito penoso. Depois temos os encargos administrativos e muitos dos custos correntes que sofrem do impacto directo da inflação, e se os prémios não acompanham esta taxa de crescimento é sempre muito difícil, desafiante, para manter o equilíbrio das contas das nossas empresas".
Explica também que as seguradoras têm feito um esforço enorme para manterem taxas de rentabilidade que sejam compatíveis com a sua sobrevivência, os próprios investimentos não têm acompanhado a inflação e as seguradoras vão mantendo a sua actividade porque o mercado tem uma taxa de sinistralidade baixa comparativamente com outros mercados como europeus ou americano, onde a taxa de sinistralidade ronda 70%. "Com esta nossa inflação ninguém sobreviveria", reforça.
Para Cristina do Nascimento, administradora da Nossa Seguros, num ambiente com a inflação que temos as pessoas retraem-se no seu próprio consumo e o seguro acaba por deixar de ser uma prioridade, portanto, acaba por ter repercussões bastante negativas no sector. A actividade seguradora acaba por ser também o espelho da actividade económica do País, e só poderá aspirar a ter crescimentos significativos no seu volume de negócios, se as pessoas e as empresas tiveram maior capacidade financeira para desenvolverem as suas actividades. O crescimento do PIB e o consumo interno são bons indicadores para actividade seguradora.
A também técnica de assuntos financeiros e fiscais da ASAN, reiterou que as companhias têm desenvolvido esforços de aproximação com o mercado para levar às empresas e às pessoas a e relevância de terem seguros.
"Se as pessoas por si só não se revêem num produto de seguro, imagine num ambiente com este nível de inflação! Ou seja, ainda se contraem mais, não chega ser uma prioridade. Para as próprias empresas também e acabamos ter um impacto directo nas nossas actividades. O poder de compra está a deteriorar-se e o produto de seguro não é uma prioridade, por isso vamos tentando fazer alguma coisa em termos de alguns produtos dirigidos a um segmento de baixa renda. Mas o ambiente, fruto da actual inflação não ajuda, embora os esforços estejam a ser desenvolvidos", confirma.
Uma vez que a situação económica não ajuda, Estevão Bandi, responsável da gestão de risco da Prudencial Seguros, defende que deve-se apostar mais nos seguros obrigatórios, aumentar os seus níveis de penetração, insistir mais na componente de literacia, porque está mais que claro que o seguro dentro da cadeia de necessidade das famílias não é uma prioridade.
"Temos grandes desafios: apostar nos seguros mas procurar que estes estejam cada vez mais ajustados ao bolso dos cidadãos. O seguro obrigatório deveria representar, ou ocupar a maior parte da carteira de produção dos prémios brutos emitidos, mas infelizmente não representa. Porque apesar de serem obrigatórios, quase ninguém fiscaliza, desde os automóveis até aos acidentes de trabalho, com todos os riscos e problemas que isso significa em caso de sinistro".
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