Mestre, quantos push-ups?
Por vezes, queremos assumir o papel de "submissos" para não termos de estar sempre a tomar decisões, para podermos relaxar, obedecendo simplesmente, sem questionar. Dizemos ao nosso personal trainer: "Diz-me o que devo fazer"; "Mestre, quantos push-ups?".
Dominantes e submissos Os termos "dominante" e "submisso" referem-se a uma relação de exercício de poder e controlo, por parte do dominante, sobre alguém que se submete a esse poder, alguém que permite ou que não pode lutar contra esse controlo - o submisso. Referem- -se também ao exercício de violência, de subjugação, ocupação, exploração. Referem-se a predadores e presas. Referem-se a lutas de poder e ao seu desabamento. Afinal, todas as estruturas hierárquicas apresentam, em maior ou menor grau, uma componente de dominância e submissão, mesmo que não queiramos usar esses termos, e mesmo que os esforços legislativos sejam sempre os de mitigar as diferenças de poder. Não vamos, hoje, no entanto, falar disso. Vamos falar de dominantes e submissos do nosso dia-a-dia, que o são num puro exercício de livre vontade!
O ser dominante ou o ser submisso podem resultar de traços de personalidade, ou podem ser papéis que desejamos, aceitamos ou nos vemos obrigados a desempenhar. Regra geral, gostamos de dizer que somos dominantes. Nós podemos. Nós mandamos. Nós decidimos. É uma fantasia muito comum. Na vida real, vamos geralmente alternando papéis: somos dominantes em casa e submissos no serviço, por exemplo, ou vice-versa. Num contexto estritamente sexual, por exemplo, nomeadamente nas interacções sadomasoquistas, em que um parceiro domina e inflige castigos a um parceiro submisso, a figura "dominante" mais conhecida é a da "dominatrix" - uma figura feminina autoritária, geralmente apresentada com roupa preta sensual, em latex, com botas pretas de salto alto, e com um chicote na mão, paga para humilhar, submeter, dar ordens e castigos a homens muitas vezes muito poderosos.
Mas o que é que os dominantes - figuras femininas ou masculinas que exigem obediência sem questionamento - poderiam ter a ver connosco, pessoas aparentemente perfeitamente normais, trabalhadoras, provavelmente bem-comportadas, já preocupadas com as férias de Agosto? Bem, e se eu lhe dissesse que, na verdade, estamos rodeados de dominantes, e que até os procuramos? E se lhe dissesse que há quem não viva sem eles - ou elas?
Quem são estes dominantes? Pode ser quase qualquer pessoa, mas, por exigência de cargo ou função, um dos tipos de "dominantes" mais comuns na nossa vida adulta, que permitimos que "mande" em nós por uma hora ou duas por dia, duas ou três vezes por semana, é o personal trainer, o nosso guru do exercício físico, o nosso professor de dança, o nosso treinador pessoal de artes marciais, que nos faz sofrer horrores, que nos deixa de rastos, mas que adoramos! Ele pode obrigar- -nos a correr, pode ensinar-nos a praticar yoga, fazer alongamentos, pilates, musculação, ciclismo, natação, artes marciais, ou uma combinação de vários tipos diferentes de técnicas e exercícios.
O maravilhoso Lucas Cordeiro (IG @lucas_cordeiro01), um dos mais sérios instrutores de kickboxing que eu conheço, explica: "A visão de um instrutor de artes marciais como dominador vai além de alimentar o ego por ter uma pessoa dominada quando se exige que ela faça repetições constantes de técnicas e exercícios da arte. Na verdade, é sobre o comprometimento pela causa, a satisfação de saber que, pelo nosso esforço, os objectivos serão concluídos. E os objectivos são: saber que a pessoa com quem trabalhamos atingiu o grau de disciplina que se deseja, que chegou à performance física almejada, saber que conseguiu obter paz de espírito a partir dos treinos e ter uma mente equilibrada, ou então saber que atingiu o nível técnico pretendido. Porque na nossa área são necessários sacrifícios para obtenção de grandes benefícios. E então chega-se à fase em que todos entram no mesmo ritmo. Movidos pela luta constante de aperfeiçoamento, os alunos passam a enfrentar a si mesmos como principal desafio. O reflexo no espelho torna-se o adversário a ser superado. Nesse ponto, o escalão da rigorosidade aumenta - não por imposição, mas porque existe base para cobrar mais. É aí que o domínio se expressa mais claramente e caminhamos firmemente para a evolução. Em suma, como dominadores, controlamos ou exercemos o poder sobre os nossos discípulos com a intenção de os conduzir ao melhor resultado".
Então, o nosso guru, o nosso mestre, o nosso sensei quer o melhor para nós. Ele quer a nossa excelência. E esta só pode ser obtida à custa de muito sacrifício e disciplina.
E nós? Porque é que os procuramos, se até - regra geral - temos de pagar por isso? Procuramo-los porque queremos mudar! Queremos emagrecer, ou ganhar músculo, ou tonificar determinadas partes do nosso corpo. Queremos ficar mais fortes. Mais jovens. Mais saudáveis. Queremos ajuda. Queremos soluções. Queremos transformar- -nos. Queremos amar-nos. Queremos apostar no nosso bem-estar. Estamos num momento complicado da nossa vida e estamos dispostos a pagar bem para nos ajudarem a encontrarmos "a nossa melhor versão". Queremos um apoio especializado!
Leia o artigo integral na edição 823 do Expansão, de quinta-feira, dia 25 de Abril de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)