Não, não, não, não!
Em adultos, os discursos motivacionais de inumeráveis coaches dizem-nos que não podemos dormir, que temos de ser os primeiros a chegar e os últimos a sair do local de trabalho, dizem-nos que quem trabalha no que gosta não se cansa... Mas tudo isso tem de ser urgentemente questionado! Um modo de o fazer, é começando a dizer "não" a discursos tóxicos.
O senhor David Simão tem 47 anos, é um homem alto, mas anda tão encurvado e cabisbaixo, que parece muito mais velho. Quando a colega do RH lhe perguntou o que se passava, ele só conseguiu dizer: "Eu não estou bem! Eu não estou bem!". O senhor Simão não conseguiu ainda conhecer a sua primeira netinha, e isso atormenta-o. A esposa queixa-se de que ele é que não quer passar tempo com a família. Ele, que passou uma vida inteira dedicada ao trabalho, estava agora a braços com uma questão disciplinar, que nem entendera bem como tinha acontecido.
Dedicara-se de corpo e alma à empresa, sempre com um salário que sabia não estar à altura do que fazia, deixando os fins-de-semana com a família de lado e, agora, por causa de algo que não era da sua directa responsabilidade, sentia que a instituição se voltava contra si. Uma vida inteira dedicada ao trabalho! Os filhos nem sequer se sentiam à vontade ao seu lado ou a falar com ele. Claro! Sempre trabalhara para lhes pagar os estudos fora de Angola... Não conseguira aproveitar a infância dos miúdos. E, agora, nem com a neta conseguia estar. Qual era o sentido de toda a sua vida, afinal? Estava exausto, triste, atormentado.
As pálpebras começam a piscar (primeiro de um lado do rosto, depois do outro), acordamos todos os dias cansados, como se não tivéssemos dormido, com um peso sobre o peito, perguntando-nos o que estamos a fazer. Sentimo-nos deprimidos, esgotados, sem energia, com vontade de chorar, sem saber porquê, com dores de cabeça e de costas. Estamos sobrecarregados, a pressão é intensa, estamos sempre nervosos, ansiosos, infelizes. Não aguentamos mais! É possível que estejamos com Síndrome de Burnout.
A Organização Mundial da Saúde reconhece, desde 2022, na nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que a Síndrome de Burnout, ou Síndrome de Esgotamento Profissional, constitui uma doença ocupacional, causada por stress crónico, originado pelo excesso de trabalho, desgaste emocional, exaustão, despersonalização, desmotivação.
Sendo uma doença ocupacional, a responsabilidade está, muitas vezes, na própria instituição: quando não há horário de saída; quando sofremos ameaças de despedimento, caso não fiquemos a trabalhar a todas as horas; quando não sabemos se poderemos usufruir, de facto, do fim-de-semana; quando sofremos assédio moral; quando o ambiente é demasiadamente competitivo; quando as críticas são constantes; quando as exigências são excessivas.
Muitas vezes, no entanto, o cenário na empresa não é esse, e, mesmo assim, estamos exaustos. Isso porque, tantas vezes, não sabemos, não conseguimos, quase preferimos morrer a dizer um saudável e libertador "Não!".
Nedra Glover Tawwab, no seu bestseller "Aprenda a dizer Não - estabeleça limites e liberte o seu verdadeiro eu" (2022), explica a importância dos limites e quando e como estabelecê-los. É, de facto - a par da busca por ajuda especializada - essa a resposta para o cansaço extremo: estabelecer limites! Limites para conseguirmos ter dinheiro, limites para conseguirmos gerir o nosso tempo, limites para conseguirmos cuidar de nós. E para estabelecermos limites, temos de dizer "Não!". Vejamos, a seguir, de forma breve e muito simplificada, alguns dos limites a considerar, segundo a autora.
FINANÇAS - Limites a considerar: pouparei 10% antes de comprar qualquer coisa nova; não emprestarei dinheiro a ninguém (mas posso oferecer, se considerar adequado); não serei fiador de ninguém; vou criar um fundo de emergência para mim.
GESTÃO DO TEMPO - Limites a considerar: admito perante mim mesmo que não posso fazer tudo (não me irei sobrecarregar, verificarei o meu calendário antes de aceitar um pedido); delego o que posso; estabeleço um horário e respeito-o religiosamente; faço planos realistas, para evitar distracções.
AUTOCUIDADO - Limites a considerar: digo "não" às coisas de que não gosto; digo "não" às coisas que não contribuem para o meu crescimento; digo "não" às coisas que me roubam o meu precioso tempo; relaciono-me com pessoas saudáveis; reduzo a minha interacção com pessoas que esgotam a minha energia; pratico o autodiscurso positivo; perdoo a mim mesmo quando cometo um erro; desligo o telemóvel quando é apropriado; durmo quando estou cansado; não me meto na vida de ninguém; tomo decisões duras, porque são saudáveis para mim; crio espaço para actividades que me proporcionam alegria; experiencio coisas sozinho, em vez de esperar que as pessoas "certas" se juntem a mim.
Leia o artigo integral na edição 780 do Expansão, de sexta-feira, dia 14 de Junho de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)