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Grande Entrevista

"A Justiça no País não é mais do que um parente pobre, um órgão subalterno"

ESMAEL DIOGO DA SILVA | Presidente da Associação dos Juízes de Angola (AJA)

O sistema judicial angolano está envolvido numa maré de dificuldades com os (poucos) tribunais incapazes de dar tratamento aos processos por falta de condições de trabalho, ou seja, falta de investimento na construção de infraestruturas e nos funcionários judiciais, tornando a Justiça demasiado lenta para o que é minimamente exigível. E fala das condições permitidas para que os juízes possam trabalhar de forma isenta.

Que Justiça temos no País?

Olha, temos a Justiça possível, diferente, muito diferente da Justiça que queremos e que precisamos. Gostávamos que fosse uma justiça mais célere, não faz sentido atender aqueles que são os anseios de quem procura o serviço de Justiça no País, mas, infelizmente, nesse momento ainda não alcançamos os níveis desejados.

O que é uma Justiça possível?

Essa é uma grande questão, pois entendemos que alguns fatores cooperam para que não se façam mais. Nós, neste momento, temos no País, cerca de 650 juízes de primeira instância ou juízes de Direito. Parece-me que, pelo número da população angolana, seria eventualmente um número suficiente para atender à procura dos tribunais e tratar das questões com a celeridade que se impõe. Contudo, encontramos problemas no que diz respeito às infraestruturas onde os tribunais estão instalados. Encontrei problemas relacionados aos funcionários dos tribunais, tanto no número quanto na qualidade desses funcionários.

Está a dizer que esses dois aspectos (infraestruturas e recursos humanos) específicos à grande vulnerabilidade do sistema judicial angolano?

Esses dois aspectos em particular servem de gargalo para um fluxo mais casual, mais apetecível, no sentido de se atender à celeridade que se quer. Nós não temos tribunais de raiz praticamente no país todo. Os nossos tribunais funcionam quase todos em edifícios improvisados, quando o ideal seria que os tribunais funcionassem em edifícios construídos para a função do tribunal. Quando se adaptam os tribunais - é assim um pouco por todo o País - olhamos para a infraestrutura ou para as instalações e não vemos o tribunal.

A situação é tão grave?

É muito preocupante, pois já houve alguns tribunais que funcionaram sem sequer ter uma sala de audiências e para que se realizassem as sessões de julgamento o tribunal tinha de pedir a um quartel de bombeiros a cedência de um espaço. Aí tivemos alguns problemas, por exemplo, o oficial de justiça tinha de se deslocar das instalações do tribunal para esse quartel de bombeiros, onde foram realizadas essas audiências, muitas vezes andando pela rua a pé, com os processos sob o braço. Se escolher esse processo, corrija o risco de molhar, sem contar que o funcionário poderia ser assaltado, e inclusive, poderia haver extravio de processos.

Então você pode considerar a sala de audiências como a liberdade de um tribunal?

A questão da sala de audiências é muito importante, porque além do gabinete do juiz, a sala de audiência é a extensão desse gabinete, da área de trabalho do juiz. É lá onde ele vai produzir a prova. E se eu tenho poucas salas de audiência, temos aqui um gargalo. Eu posso ter 50 juízes no tribunal, eles podem produzir muito e analisar muitos processos, mas depois teremos o constrangimento para a produção da prova. Imagina que para realizar a audiência nós temos de repartir a sala que existe para a quantidade de juízes que temos. O que é que vai acontecer? Cada juiz terá muito pouco tempo de sala de audiência, por isso é comum que alguns juízes realizem audiências em seus gabinetes para dar vazão aos processos.

De que forma é que a falta desses espaços tem contribuído para o atraso no tratamento dos processos?

Não é o único, mas isso tem um impacto direto, porque se eu tenho 10 processos prontos para audiência, mas eu tenho apenas um dia de audiência, não consigo julgar todos os processos e realizar 10 audiências no mesmo dia, porque aí existe um déficit muito grande na qualidade da prova produzida. Consequentemente, eu preciso relatar isso e apenas vou concretizar essas audiências nos próximos quatro a cinco meses, porque eu tenho um limite até humano, para a realização das audiências.

Falou que esse problema se estende a nível nacional, mas quais são as províncias mais afectadas?

Luanda é o principal problema. É onde a situação é mais complicada e é o local onde temos o maior número de magistrados e, por incrível que pareça, temos juízes que partilham gabinetes, e há outros que nem gabinete têm e trabalham na sala de audiência. Acontece que quando outro juiz tem de realizar a audiência, ele tem de abandonar a sala. Em Luanda, falamos de uma procuradora, só na jurisdição de família, de mais de 25 mil processos, e nas condições em que o tribunal trabalha é difícil de resolver

Que outra província preocupa?

Chamamos também a atenção para a situação de Malanje, cujo tribunal não funciona numa estrutura própria. A Comarca de Malanje funciona neste momento numa casa de trânsito cedida pelo governo provincial. Portanto, as audiências neste tribunal ocorrem nos quartos dessa casa de passagem. Encontramos neste tribunal processos empilhados em casas de banho, que imaginamos, se existir uma fuga na canalização, pode destruir uma série de processos. Fico ainda mais triste ainda porque há lá uma obra imponente de uma estrutura de tribunal a ser construída de raiz, cujas obras estão paradas há mais de cinco anos.

Leia o artigo integral na edição 823 do Expansão, de sexta-feira, dia 25 de Abril de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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