"Hoje olhamos para o mercado e vemos um tipo de empresário diferente"
A realização de mais uma edição da Feira Internacional de Luanda foi o mote para a conversa com o responsável da empresa que organiza o evento. Bruno Albernaz tem testemunhado o aumento da participação de nacionais e o despertar do interesse internacional, ultrapassada a crise da Covid-19.
Terminou recentemente a 39ª edição da FILDA -Feira Internacional de Luanda. Foi o que projectaram?
Fazemos um balanço muito positivo. Primeiro porque o momento é difícil para os empresários e nós não temos essa postura. Ou seja, nós preferimos olhar para conjuntura e para as situações de forma optimista e positiva. E são nestes momentos menos bons que nós devemos ser criativos, arrojados e, acima de tudo, disruptivos. Fomos, ao longo destes últimos tempos, levando sempre de forma muito clara a FILDA e defendendo o seu nome como o maior evento socioeconómico que se realiza no nosso país. Mas não é só com palavras, temos de ter acções concretas.
Têm tido essas acções?
Temos. Se olharmos para todo este tempo em que estamos à frente da FILDA, desde 2017, a evolução é notável. Notável nos números, na qualidade, no desempenho e na inversão. E quando digo inversão, é pelo perfil do expositor. Quando começámos a trabalhar a FILDA, o perfil do expositor era o de um expositor importador. Ou seja, o expositor internacional vinha a Luanda encontrar clientes e compradores para o seu negócio. E eram produtos elementares ou essenciais, mas era um produto final. Os expositores vinham vender sumo, água, cerveja, vinho, arroz, massa, manteiga, azeite... E, hoje em dia, ao longo destes anos, houve uma completa inversão.
Em que sentido?
Tínhamos 85% de expositores internacionais e hoje é o contrário. Hoje temos 85% de expositores nacionais e 15% estrangeiros, missões que nos visitam. E nestes 85% a indústria alimentar nacional e o Feito em Angola assumem um papel muito importante. Estamos a falar quase em 40% destes 85% Isto é visível. Isto fez com que indústria nacional, as empresas prestadoras de serviços, evoluíssem bastante com a participação neste tipo de eventos. Eu tenho a possibilidade na FILDA ou noutra feira qualquer de ter o contacto directo com o meu cliente. Ele, ao falar comigo, transmite o que o que gostaria de ver melhor feito e correspondido. E isso é um ganho que se faz nas feiras. Além disso, tenho oportunidade de olhar para a concorrência. Hoje, se nós olharmos para um produto nacional, este produto não fica nada atrás de qualquer outro feito fora do País.
Em todos os níveis?
Isso ganhou-se com as feiras, que têm tido um papel fundamental nesta evolução. A competitividade está lá. Hoje olhamos para o mercado e vemos um tipo de empresário diferente. Aquelas empresas tradicionais ou empresários tradicionais estão a ficar para trás. Temos empresas antigas que estão a lamentar-se bastante. Acho que em vez de olharem para o copo vazio, devem olhar para o copo meio cheio. Na feira, vimos pessoas que vêm do anonimato muito empenhadas nos seus produtos, nos modelos de produção, inclusive mulheres. A vida que a feira tem é trabalho dos expositores.
Hoje as feiras não é apenas colocar stands?
Não. O stand é um adorno, é uma coisa bonita. Mas se não houver dinâmica, interatividade, relacionamento, não funciona. Nós só temos de preparar bem as feiras e, parecendo que não, há aqui alguma ciência. A forma como se fazem os corredores, as entradas, como se circula, o encaixe dos diversos sectores, é tudo pensado. Felizmente, temos aqui um trabalho bi-partido e os expositores corresponderam muito bem e fizeram acontecer com muito êxito. Sem esquecer o público que soube dignificar esta edição da FILDA, com um público diferente a mudar de dia para dia.
Os fóruns realizados ao longo da feira foram uma aposta para atrair potenciais investidores?
Claramente. Tivemos dois de relevância internacional. Mas, ao longo dos seis dias da feira, tivemos outros fóruns e muitos workshops. Tivemos a decorrer em simultâneo sete actividades todos os dias. Tivemos tempos de permanência das pessoas na feira muito mais longos do que era esperado. Tínhamos sempre entre duas horas e meia a três horas como tempo médio, mas este ano o tempo médio de permanência foi superior 5 horas. Isto tudo são factores positivos, porque as pessoas encontravam na FILDA aquilo que lhes interessava. Esta nova aproximação do sector agrícola, com o sector informal através das "mamãs" do mercado do 30, que também estiveram na feira, foi bom.
Porquê?
Costumo dizer que elas é que são as verdadeiras empresárias. Porque dominam o mercado, a economia real. Elas são hábeis a negociar, e viu-se. Elas, ao final do dia, tinham as suas bancas já sem produtos e esta dinâmica é importante. Trouxemos a agricultura, a agropecuária, algumas fazendas que estão a produzir melhor. Procuramos juntar nesta plataforma estas acções que estão a acontecer de forma muito positiva, e que nos vão ajudar. Trazer o sector primário para esta equação.
Este formato é para manter?
Vamos manter e vamos dar outra dignidade. Um espaço mais adequado e melhorar onde for preciso. Tivemos duas províncias, o Namibe e a Lunda Norte, que despertaram curiosidade. E as outras províncias, se quiserem estar presentes no próximo ano, têm de se organizar.
A igreja Jeová esteve representada na feira. Também é um negócio?
Também fiquei curioso, mas não posso dizer que seja um negócio. Não tenho esta veleidade. Não sei o que eles pensaram, mas a minha leitura, enquanto visitante, não enquanto organizador, o que interpretei é que eles acharam que se estivessem presentes de forma disruptiva estariam mais próximos das pessoas daquela forma. E das pessoas que decidem, dos decisores. Porque a FILDA reuniu, não só um grande número de empresários, mas também decisores, porque dentro desse grande número de empresários estavam decisores. Tenho muito cuidado em comentar questões de religião, mas hoje, com a oferta que há, com todas as opções que temos, acho que a estratégia deles foi posicionarem- -se aqui e disserem: "olhem para nós também como um pilar". Acho que todas as igrejas têm um papel fundamental, pelo menos que ensinem as populações o que é certo e o que é errado. E nós precisamos disso na nossa sociedade.
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