"Não temos sido suficientemente fortes na política industrial"
O economista e antigo secretário de Estado da Aviação Civil, Marítimo e Portuário analisa a economia nacional, com várias sugestões e sinais de alerta para o curto e médio prazo, e faz também um balanço da sua passagem pelo Governo.
O surgimento do petróleo de xisto na última década provocou uma alteração profunda neste sector, que continua a ser a maior fonte de riqueza em Angola. As consequências para o País foram imediatas. A economia angolana ainda está debaixo dos efeitos do "choque" de 2014?
Sim, com certeza. A mudança é estrutural, é profunda e, de alguma forma, é permanente. Refiro-me aqui à estrutura petrolífera internacional. Tudo isto fragiliza o sector petrolífero. O outlook não é muito positivo. A maior parte das agências prevêem um preço do petróleo entre 60 a 90 USD a médio e longo prazo. Todo este contexto deu lugar a um conjunto de choques sísmicos ao nível da economia angolana, porque as finanças públicas foram afectadas, a balança de pagamentos foi logo afectada e começámos a ter em paralelo um aperto fiscal, que foi depois respondido com um programa de consolidação fiscal.
Foi também implementado um programa com o FMI entre 2019 e 2021.
Exactamente. O FMI trouxe um conjunto de aspectos metodológicos mas, aquilo que era essencial, aprovado também pelo Presidente da República, já estava desenhado. Mas havia consciência que, numa primeira fase, não se esperava logo uma recuperação económica.
Com a chegada de João Lourenço à Cidade Alta, em 2017, o Governo parecia acreditar, ou pelo menos "vendeu" esse sentimento às pessoas, na ideia de milagre económico. Havia consciência, no seio das autoridades, que essa recuperação não seria imediata?
Sim, plenamente. Por isso é que surgiu o programa de estabilização macroeconómica. Nós estávamos num quadro de contracção económica, num ciclo negativo da economia. Tínhamos a inflação a subir, por efeito do ajustamento cambial e de algumas distorções. O próprio sistema financeiro estava a ser afectado. Havia muitos bancos com o crédito malparado a subir, até porque as empresas estavam a ter algumas dificuldades. Não podemos esquecer que, neste quadro, mais à frente, surgiu a Covid, que fragilizou ainda mais as empresas. A estabilização também pressupunha algum ajustamento cambial, nas taxas de juro, no mercado de trabalho, portanto, houve processos de despedimento que eram necessários.
Muitas pessoas perderam o emprego ou os seus rendimentos nessa altura.
Mas só depois desses ajustamentos é que a economia iria atingir aquilo que é a sua base, iria de encontro aos fundamentos económicos e, a partir daí, seria possível começar a implementar as políticas de crescimento. Não era possível adoptar uma política fiscal expansionista e isto é, até hoje, uma das nossas fragilidades. A nossa política fiscal está constrangida, não há grande margem para baixar os impostos sobre as empresas e sobre as famílias. A nossa taxa efectiva fiscal está a um nível muito baixo em relação aos países africanos e, por outro lado, apresenta uma tendência decrescente face ao PIB. O relatório de fundamentação do OGE 2025 também denota isso, que temos tido uma queda no rácio entre a receita e o PIB. Baixar impostos, em princípio, não é o caminho, mas há um conjunto de iniciativas que podem ser adoptadas a nível fiscal.
Pode dar exemplos de medidas para aliviar os impostos?
Está em curso o imposto único, que é fundamental para a simplificação do processo e para trazer mais operadores para o sistema tributário. Também é possível adoptar políticas discricionárias que visem as pequenas e médias empresas. As pequenas e médias empresas em Angola são as grandes promotoras do emprego, como em qualquer outro país. Numa primeira fase, elas precisam de um apoio maior do Estado. Além dos mecanismos de crédito, o lado tributário também pode ser considerado. Em termos globais, em termos médios, eu não acho que haja aqui a necessidade de redução da taxa tr butária. Do lado da despesa pública, também já muita coisa foi conseguida, mas há margem de melhoria. A folha salarial do sector público, por exemplo, é uma das grandes linhas de trabalho para o futuro.