Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Grande Entrevista

"O mercado imobiliário é o mais propenso ao branqueamento de capitais e fuga ao fisco"

DOMINGOS JOÃO, JURISTA E CONSULTOR

O lançamento do livro "Direito Imobiliário Angolano-Real Estate", foi o mote para a conversa com o jurista Domingos João que defendeu a necessidade de regulamentação do sector para estar em conformidade com as boas práticas e aponta o dedo à lentidão do sistema de justiça.

A dificuldade de regularização de imóveis é um dos problemas que afecta o mercado imobiliário nacional. Como é que os operadores do sector garantem as relações do direito imobiliário?

Há necessidade de fazer surgir algumas normas no sentido de regulamentação. Isto significa dizer que não precisamos leis, até porque temos boas leis. As leis existem, só precisam de ser regulamentadas. O que se exige aqui é a regularização jurídica dos imóveis. Este é um dos grandes constrangimentos do mercado imobiliário. Ou seja, a regularização dos imóveis é um dos grandes constrangimentos do mercado imobiliário. Precisamos operacionalizar melhor os elementos jurídicos legais, porque do ponto de vista prático apresentam constrangimentos para os operadores imobiliários.

De que forma podem ser melhorados os mecanismos jurídicos legais na sua operacionalização?

O procedimento de regularização jurídica de móveis entre nós é ainda bastante penoso. Começa nos actos que as administrações locais impõem para a regularização jurídica dos imóveis. Para construirmos um prédio, uma casa, ou executar um projecto imobiliário, temos que ter licenças. E antes da licença, o terreno tem que estar regularizado. Sou crítico, por razões históricas, de que o direito de superfície seja a prioridade no sistema de regularização jurídica dos imóveis entre nós.

Porquê?

Na nossa lei de terras o direito de propriedade é o primeiro. A grande questão que se coloca é por que é que se vai para o direito de superfície sempre e não pelo direito de propriedade? Esta disparidade da compreensão tem feito crescer desordenadamente as nossas cidades, aldeias e municípios. E também contribui para alguma falta de padronização nos procedimentos. A falta de regularização jurídica tem causado grandes constrangimentos no mercado imobiliário, e com efeitos no investimento. Há outra questão sobre o direito imobiliário que tem a ver com regime de regulamentação que está ligado ao financiamento imobiliário.

Os bancos têm-se mostrado avessos à concessão de crédito como antigamente porque exigem garantias de forma a evitar o malparado...

Quem financia são os bancos. E os bancos, na nossa realidade, por causa de tantos receios, a começar pela titularidade, quase que não dão importância a matérias ligadas ao investimento imobiliário. E os operadores imobiliários acabam sempre por recorrer a outras fontes de financiamento com muito mais dificuldades. Houve algum esforço de regulamentação do financiamento imobiliário que fez nascer o Fundo de Fomento Habitacional. Mas é preciso dar outra dinâmica ao Instituto Nacional da Habitação, que deveria ser o regulador do mercado imobiliário.

De que forma?

Entendo que o Instituto Nacional da Habitação (INH) e o Fundo de Fomento Habitacional (FFH) devem-se posicionar melhor. O INH deve produzir melhor regulamentação relacionada com o mercado imobiliário. Hoje temos muitos constrangimentos que têm a ver, por exemplo, com matérias ligadas ao compliance no imobiliário. Se o mercado imobiliário não tiver os instrumentos adequados de regulamentação para o financiamento de projectos e eventual controlo do preço, com a fixação de um preço médio, como acontece por exemplo na Costa Rica ou no México, podem ocorrer práticas lesivas à economia e até ao próprio País.

Mas há mais constrangimentos.

Em outros momentos tivemos o kwanza a desvalorizar e o imobiliário não se conseguiu posicionar. E isso também afectou a capacidade de gestão dos condomínios.

A desvalorização do kwanza afectou a qualidade do imobiliário?

Afectou muito. Afectou a possibilidade do pagamento a crédito, vivemos cenários terríveis de pessoas que receberam crédito em dólares e ficaram sem condições de pagar. Alguns mesmo chegaram a perder os imóveis. Os pequenos projectos deixaram de ter oportunidades, não só da parte do cliente mas também em termos de financiamento. O mercado está em crise, pelo menos do ponto de vista de financiamento. Penso que o Banco Nacional de Angola devia intervir e fazer com que parte da reserva que os bancos têm no banco central fosse canalizada em forma de crédito bancário para projectos imobiliário de baixa renda.

Deve haver mais intervenção do sector privado no sistema imobiliário?

Quando falo do financiamento é para dinamizar também o sector privado. Nós temos fundos imobiliários na Comissão do Marcado de Capitais, mas o grande problema são as garantias. E as garantias passam pelo constrangimento principal que tem a ver com a regularização dos imóveis. A segurança jurídica produzida pelos documentos. O Instituto Nacional da Habitação deve assumir o papel de regulação do mercado imobiliário. Tem que produzir documentos, avisos... Por exemplo, instrumentos ligados ao compliance imobiliário, porque o mercado imobiliário é dos principais meios para a prática do crime e branqueamento de capitais. A actividade dos mediadores e dos angariadores imobiliários deve ser supervisionada pelo INH.

(Leia o artigo integral na edição 668 do Expansão, de sexta-feira, dia 1 de Abril de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)