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Grande Entrevista

"O nosso sistema de educação tem estado a produzir crises"

ISAAC PAXE | PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

As reprovações na fase de iniciação e na primária ou o elevado número de escolas sem casas-de-banho são a parte mais visível das falhas que afectam o sector da educação. Mas a raiz dos problemas começa nos ideais promovidos pelo sistema.

O Ministério da Educação tem estado a produzir um anuário que permite construir um olhar mais preciso sobre o sistema. Qual é a sua opinião sobre este exercício e sobre os resultados produzidos?

A produção do anuário é um exercício relevante, porque os sistemas fazem-se com números e com indicadores. A produção de estatística também é uma forma inteligente de auto-análise. O grande desafio coloca-se na qualidade dessa estatística, porque uma coisa é produzirmos os números, mas o que é que esses números representam de facto?

Em que sentido?

Nem sempre a estatística traduz a realidade, porque são apenas números e os números não geram emoção, os números são secos, são estáticos. No nosso caso, podemos começar por analisar questões técnicas. Temos, de facto, técnicos estatísticos da educação? É uma pergunta técnica. O estatístico generalista não é necessariamente adequado para trabalhar na educação, porque a educação tem as suas próprias nuances.

Há quem defenda a necessidade de o anuário também fazer interpretação dos dados.

Não existe uma regra taxativa sobre isso, mas, por uma questão de congregação de esforços, energia e dos parcos recursos que (não) temos, o anuário podia ter uma dupla abordagem: por um lado, produzir os números e, por outro lado, fazer uma interpretação da informação. Agora, às vezes, a interpretação não é feita porque o instrumento de recolha não permite. Para auxiliar o Governo nas questões de educação, é importante produzir relatórios que permitam compreender, de facto, o que se passa. Mas esta é apenas uma perspectiva, do outro lado temos a responsabilidade das próprias universidades, por exemplo.

Qual deveria ser o papel das instituições de ensino superior?

A questão que se coloca é: será que temos algum observatório que estude as questões da educação e que depois procure interpretar as informações estatísticas? Quando olhamos para os números, é inconcebível que na iniciação tenhamos crianças reprovadas.

É um dos dados mais intrigantes. Como é possível alguém reprovar na classe de iniciação (0,6% dos inscritos em 2022)?

Nós temos uma filosofia de educação que celebra a reprovação. Se formos olhar para o próprio ensino primário, temos 14% de reprovações em 2019. São números assustadores, sobretudo quando olhamos para a lógica da educação como direito. A iniciação e o ensino primário coincidem com a fase de construção da personalidade das crianças. E o princípio pedagógico dentro da filosofia da educação, e de outras outras ciências relacionadas, indica que todas as crianças têm condições para aprender. Agora, podem existir certas particularidades com impacto na evolução de alguns alunos. Mas nós temos um sistema que actua na base daquela educação de séculos passados, do sistema "apto" e "não apto". O aluno está apto quando consegue dar as respostas certas, dentro da expectativa do professor.

Mesmo nos primeiros anos de escolaridade?

Quem não está "apto" recebe logo um certificado de incompetência. Nós temos um sistema de avaliação quantitativo. Outra grande questão que se coloca no nosso sistema é o histórico de guerra, que gerou todo o tipo de traumas. Esta situação pode afectar alguns pais, que podem passar essa realidade para os filhos. Isto impacta no desenvolvimento cognitivo das crianças, que depois podem não corresponder à expectativa da escola.

Essa criança pode ter outras valências, outras capacidades?

A questão é justamente essa, daí nós termos, por exemplo, a educação especial. A criança pode aprender de uma forma diferente da outra, pode ter um aprendizado muito mais lento. Nós ainda temos um histórico de altos índices de desnutrição, por exemplo. E o cérebro é um dos órgãos mais prejudicados, a neurociência já explica isso. Uma criança nessa condição precisa de uma abordagem diferente dentro do sistema de ensino. Outro problema: as condições em que essas crianças estudam.

Leia o artigo integral na edição 773 do Expansão, de sexta-feira, dia 26 de Abril de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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