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Opinião

Alguns receios para 2018

Alves da Rocha

Claro que Angola não entra bem em 2018. E não vale a pena continuar a pensar-se que a deterioração da sua situação global começou em 2014 e teve como causa mais relevante a queda do preço do barril do petróleo. O País sofre de problemas estruturais que vão exigir tempo, audácia, inteligência, trabalho, dedicação, astúcia e .... dinheiro (muito dinheiro), indisponível de momento.
E não serão necessários muitos documentos de política económica - desde que o novo presidente da República tomou posse já se podem contar pelo menos três, com o Orçamento Geral do Estado (OGE), estando na forja um quarto, o Plano de Médio Prazo 2018-2022 e um quinto, a Revisão da Estratégia de Longo Prazo. Muito documento desta natureza confunde os agentes económicos, torna complexa a manobra de coordenação e pode diminuir o impacto da implementação das diferentes medidas.
Normalmente, é mais difícil garantir a coerência e a consistência dos objectivos e dos instrumentos de política quando existem vários documentos, como é já o nosso caso. E estas características das políticas são essenciais para garantir a eficiência e a eficácia dos gastos do Estado e dos investimentos privados.
De acordo com as últimas estatísticas do INE sobre o comércio externo, o peso das exportações petrolíferas nas exportações totais baixou de 95% para menos de 75%, com as consequências normais sobre as receitas em divisas e sem que isso, na verdade, corresponda a sinais seguros e estruturantes de diversificação das exportações angolanas. Os diamantes continuam a ser o segundo produto de exportação.
Muito provavelmente, o novo regime cambial em vigor (corresponde a um sistema de desvalorização deslizante inteiramente a cargo do mercado) - que consequencializou já uma desvalorização de 8% face ao euro - não será suficiente para incentivar os investimentos privados destinados a produzir produtos de exportação. A conquista dos mercados externos exige um binómio preço/qualidade ainda bastante difícil de garantir nas actuais condições de exercício da actividade económica no país.
Por isso mesmo é que os especialistas nestas matérias de diversificação têm afirmado que se trata de um processo, para significar exactamente que o ambiente de negócios tem de ser corrigido e melhorado.
E um dos aspectos que tem inquinado a envolvente do investimento privado é a corrupção, cujo combate foi eleito como uma das grandes batalhas do Presidente João Lourenço. Embora ainda não se tenham aplicado novas e convincentes medidas tendentes a debelar este flagelo social e económico - a despeito de em todas as circunstâncias do seu aparecimento público o tema ser recorrente - é excelente que o mais alto magistrado da Nação insista neste aspecto, para pelo menos à partida desincentivar a ocorrência de práticas de desvio e roubo de dinheiros públicos da parte dos novos agentes públicos por si nomeados para fazerem parte do seu elenco governativo.
Como o próprio Presidente reconheceu, este combate exige coragem política e capacidade de aplicação das medidas que vierem a ser definidas como essenciais para se atacar este fenómeno. Haverá espaço político para isso? Qual o verdadeiro peso político de João Lourenço para levar a cabo este combate de uma maneira exitosa?
Sabe-se que os principais agentes e beneficiários da corrupção, desvio de fundos públicos, contracção de empréstimos bancários sem o respectivo reembolso e retorno (que possibilitasse que o conhecido multiplicador de crédito actuasse e beneficiasse mais empreendedores), utilização abusiva de bens públicos, traficância de interesses, etc., são do MPLA, que - é bom lembrar - exerce o poder de uma forma ininterrupta há 42 anos. Como envolvê-los nesta luta anti-corrupção?
Muitas fortunas que não emigraram para o exterior foram constituídas na base de empréstimos bancários não reembolsados, junto dos bancos comerciais do Estado e cuja situação financeira caótica tem sido o Estado a colmatar com dinheiro dos contribuintes. Os malandros não são apenas quem, de um modo fraudulento, mas sempre com a conivência de altos responsáveis do regime, colocou dinheiro fora do país à custa do erário público. Também o são os que acabaram por criar património por vias ínvias, desonestas e fraudulentas no país.
Tudo tem de ter um começo e o trajecto seguido pelo Presidente João Lourenço tem de ser encomiado e apoiado (eu ando nesta luta há muitos anos e que me valeu o despedimento do Ministério do Planeamento devido a uma entrevista concedida ao Folha de São Paulo do Brasil, na qual denunciava a corrupção que grassava na Administração Pública).
Mas a corrupção não é o único obstáculo à criação de um ambiente de investimentos privados desinquinado e despoluído, indispensável para o crescimento e o desenvolvimento. A burocracia - via de regra associada à corrupção - é outro dos males a ser ferozmente combatido. Neste sentido, as mais recentes iniciativas do Governo - aumento para 50 milhões de dólares o montante de investimento privado sujeito à autorização do Presidente da República no quadro da Lei do Investimento Privado, aglutinação de alguns órgãos do Estado relacionados com o investimento privado (mais do que fusão de instituições dever-se-iam reduzir/eliminar procedimentos, formar/consciencializar os funcionários públicos), revisão da Lei do Fomento Florestal. Quanto mais reduzida se apresentar a cadeia de procedimentos, menores serão os custos administrativos, menor o espaço para a chamada corrupção de baixa intensidade e maior atractividade sobre as iniciativas privadas.
Compreende-se que se está a entrar numa nova era de governação - não de regime político, nem de autoritarismo do Estado/Partido - e, como se costuma dizer, elementos mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Mas as mudanças podem ser feitas sem crispação entre os mais destacados agentes. Para mim, existe, sim senhor, crispação entre o Presidente da República e o Presidente do MPLA, não valendo a pena tentar-se tapar o sol com a peneira, pois o nível de compreensão e de leitura política da grande maioria da população é hoje muito diferente de há 10 ou 20 anos atrás.
A despeito do Presidente João Lourenço referir, em alguns dos seus pronunciamentos, que outros contratos entre o Estado e empresas privados têm de ser revistos, porque danosos para o erário público, o que é facto é que o processo se iniciou pela denúncia dos contratos envolvendo familiares directos do ex-Presidente a República, José Eduardo dos Santos. A serenidade dos ambientes políticos, a sua estabilidade e transparência, são igualmente elementos/características dos bons ambientes de negócios, tão fundamentais para a expressão da liberdade económica e liberdade de iniciativa privada. Eu receio que no decurso de 2018 o ambiente político se venha a deteriorar no interior do MPLA, presunção baseada no princípio da física segundo o qual "a toda a acção, corresponde sempre uma reacção".
A economia mundial está a atravessar um bom momento e seria danoso para Angola não se aproveitarem as oportunidades de crescimento (que envolve sempre incremento de importações) de países como os Estados Unidos, União Europeia, Brasil, Índia, Vietname, China e outros novos mercados de enormes potencialidades e que estão ávidos de novos acordos comerciais. A China é já um parceiro tradicional de Angola, embora os receios de um relacionamento aberto se avolumem um pouco por toda a África, dadas as apetências "imperialistas" deste gigante económico.
Cinco tentáculos parece caracterizarem o novo posicionamento deste país no mundo (depois de último Congresso do seu Partido Comunista): energias renováveis (este país acaba de construir o maior painel flutuante de energia solar do planeta e prepara-se pôr em prática um ambicioso plano de energias alternativas tendente a diminuir a poluição e reduzir a sua dependência energética dos fósseis, compra da América Latina e da África (resguardo de terras aráveis para garantir a sua segurança alimentar e o fornecimento de matérias-primas à manufactura), guardião do livre comércio (posição assumida na última cimeira mundial e perante a renúncia de assumir este papel da parte dos Estados Unidos), futebol (erguer-se como potência futebolística dentro de 50 anos) e grandes investimentos em rotas marítimas e terrestres (a nova rota da seda ou também chamada de economia circular).

Alves da Rocha escreve quinzenalmente

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