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Opinião

Algumas reflexões sobre ideologia e modelos de desenvolvimento

LABORATÓRIO ECONÓMICO

O capitalismo, pelo menos do modo como se tem vindo a afirmar em Angola, não pode ser transformado em ideologia para um país com graves fissuras sociais, substanciais desequilíbrios económicos(3) e ponderosas insuficiências humanas.

Creio estarem-se a viver momentos de ausência de ideologias. A revolução angolana desenrolou-se no seu tempo - com maiores ou menores utopias e desilusões - o socialismo (ou a ideia que dele se fazia) foi abandonada por manifesta incapacidade de mimetismo social em África, o chamado "bloco progressista" do terceiro mundo perdeu dinâmica, acanhou-se e deixou de constituir um referencial ideológico, o internacionalismo proletário corrompeu-se na voracidade da globalização financeira e da revolução nas tecnologias da informação, a ideologia da paz esvaziou-se com a sua obtenção - restando agora saber o que dela fazer, já que se trata para o povo angolano do bem público mais precioso(1) do conjunto das necessidades colectivas que o Estado deve garantir - e a concepção de um crescimento económico rápido lançado pela Administração Kennedy e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, através da primeira década do desenvolvimento para África em 1960, perdeu-se completamente no tempo.

O capitalismo, pelo menos do modo como se tem vindo a afirmar em Angola, não pode ser transformado em ideologia para um país com graves fissuras sociais, substanciais desequilíbrios económicos(3) e ponderosas insuficiências humanas.

Tem de ser desencadeado um processo - liderado pelo Estado - tendente a afirmar-se a ideologia do desenvolvimento sobre a cultura da pobreza. Uma ideologia do desenvolvimento nuclearizada no direito ao desenvolvimento, em torno do qual se devem processar as grandes mobilizações de ideias, pessoas e instituições(4).

O direito ao desenvolvimento abarca, em simultâneo, o direito à vida, o direito a um nível mínimo de alimentação, vestuário, habitação, educação, cultura e saúde, o direito à segurança e à inviolabilidade da pessoa e o direito à liberdade de pensamento e de consciência. Este direito ao desenvolvimento deveria merecer consagração constitucional(5) nas suas cinco dimensões: a económica, a política, a ambiental, a social e a humana.

O desenvolvimento económico continua a ser a concepção principal, encontrando-se expressa, por exemplo, na declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1 de Maio de 1990 relativa à cooperação económica internacional, nomeadamente o relançamento do crescimento económico e do desenvolvimento nos países menos desenvolvidos e pobres do planeta.

O desenvolvimento político é, nos dias de hoje, frequentemente relacionado com a democracia. Esta concepção ficou particularmente expressa na cimeira entre a França e os países francófonos da África Negra em 1990. Também se encontrava consagrado na Convenção de Cotonou que regulamentou durante bastante tempo as relações entre a União Europeia e os países ACP. O aspecto importante a sublinhar - e que desde há muito tempo tem merecido discussão acesa entre os intelectuais angolanos e africanos - é se a democracia "à ocidental" é a mais adequada aos valores culturais tradicionais ou mesmo se será a mais apropriada a conciliar a tradição (ainda forte nas comunidades rurais) e a modernidade (elemento fundamental do desenvolvimento). Numa perspectiva universalista, a democracia apenas tem de ser vista como a governação pelo povo e para o povo, sendo, portanto, incorrecto indexá-la apenas à cultura ocidental, embora se reconheça que foi a Revolução Francesa de 1789 que definitivamente consagrou, e numa óptica moderna e modernizante, a trilogia liberdade-fraternidade- -igualdade. Não obstante, há que reconhecer que existem em muitas comunidades africanas sistemas democráticos de exercício e partilha de poder, em que o elemento de consagração do jogo democrático é a participação e não a representação. Ora, é igualmente neste ponto que a controvérsia se estabelece: entre a democracia representativa (à ocidental) e a democracia participativa (mais próxima das tradições africanas, em que o diálogo - a conversa mesmo, mais ou menos interminável à volta dos problemas da comunidade - se sobrepõe ao voto) qual a mais apta a promover o desenvolvimento? A antropologia cultural moderna tem de ser chamada para dar a sua contribuição e o seu ponto de vista, uma vez que para se transformar o desenvolvimento em ideologia, o processo que o sustenta tem de ser participativo, sendo insuficiente a maior ou menor representatividade.

Leia o artigo integral na edição 747 do Expansão, de sexta-feira, dia 20 de Outubro de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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