Oportunidades com os juros em alta nos países ricos
Esta situação não deixa de apresentar uma soberba oportunidade para se transformar a economia nacional
Neste espaço alertámos em Maio deste ano que o aumento da taxa de juros da Reserva Federal Americana deveria merecer atenção da governação em Angola. Na altura, era previsto que o Banco Central Europeu (BCE) fizesse igualmente um aumento das taxas de juro em Julho, o que veio acontecer. A situação de alta inflação nas economias desenvolvidas (particularmente da zona Euro e dos EUA) tem sido tal que tanto o BCE e a Reserva Federal norte-americana voltaram a fazer aumentos recentemente e deixaram claro que estas medidas poderão ser recorrentes, caso se mantenha a tendência de alta inflação.
Tudo isso aconteceu num período em que em Angola a inflação, segundo dados do INE, estava em desaceleração e a moeda (o Kwanza) estável e a apreciar-se face às principais moedas, i.e., o dólar americano e o Euro.
Recordamos aqui que, neste contexto favorável, o BNA decidiu reduzir a taxa BNA de 20% para 19,5%. Temos defendido que é necessário que a governação aproveite este momento para incentivar a importação de bens de capital com vista a dinamização do sector produtivo.
No nosso último texto realçámos que a melhoria do quadro macroeconómico (melhoria das contas externas, redução da dívida externa) se deve ao aumento do preço do barril de petróleo. Sendo Angola um país que importa muito do que precisa para o consumo corrente, a situação que hoje se verifica nas economias desenvolvidas acaba por ter depois um impacto na economia.
No 1.º trimestre, cerca de 34% do que Angola importou, nossos cálculos segundo dados do BNA, teve origem na zona Euro liderados por Portugal (por ex., versus 14% da China). Isso significa que está a ficar cada vez mais caro manter este nível de importação. O aumento das taxas de juro pelo BCE visa reduzir o consumo nestes países, consumo este que permitiu o aumento do preço do barril de petróleo, que, conforme explicamos, contribuiu para a estabilidade e apreciação do Kwanza.
Ora bem, aqui já podemos ver como o "combate" à inflação, através de medidas como o aumento das taxas de juro, nas economias desenvolvidas (no caso zona Euro) é nefasta para países como Angola, tanto ao nível das suas exportações (no caso do petróleo) como das importações. Este aumento de preço é depois repassado para o consumidor nacional.
Um outro impacto tem a ver com o serviço da dívida externa. Dados do BNA referentes ao 1.º semestre mostram que 75% é dívida comercial (i.e., com taxas de juro de mercado) e apenas 15% multilateral (i.e., de instituições como FMI e o Banco Mundial) cujas taxas de juros são mais concessionais (i.e., de ajuda ao desenvolvimento).
Abrimos aqui um parêntesis para dizer que como Angola (caso haja uma descida brusca do preço do barril de petróleo), outros países em África poderão igualmente ter sérios problemas com o serviço da dívida. Claramente que é uma questão de tempo, devido às medidas adoptadas pelos países ricos para combaterem a inflação, o preço do petróleo poderá cair. Pelo que acreditamos que a governação precisa agir já, se desejar evitar que a situação macroeconómica de Angola se deteriora. Tudo passa, conforme temos defendido, por dinamizar o sector produtivo particularmente aquele ligado ao ramo alimentar e combustíveis.
Dados do BNA referentes à Importação por Classificação Económica no 1.º semestre mostram que 67% das importações (i.e. 5.517,5 milhões USD) foram bens de consumo corrente e apenas 22% (1.808,2 milhões USD) bens de capital que podem alavancar o sector produtivo. Neste período, a importação de bens alimentares foi de 1.367,9 milhões USD e de combustíveis 1.910 milhões USD, representando estes dois produtos 59% dos bens de consumo mais importados.
Estes dados podem ajudar a governação a compreender qual deve ser a prioridade se desejarmos reduzir a importação de inflação via importação dos principais bens de consumo corrente. Para o caso de Angola, a aposta passa pelo fomento da produção de bens alimentares e aumento da refinação de petróleo.
Para a produção de bens alimentares é importante que se adoptem algumas das medidas que temos apresentado neste espaço, i.e., criação de perímetros irrigados, facilitar o registo de terras e mobilizar a banca comercial nacional para que aceite os Títulos de Concessão de Uso como garantia real. A refinação de petróleo precisa ser liberalizada para que capitais privados possam, tal como na Nigéria, a curto/médio prazo, fazer de Angola um país exportador de refinados.
Enfim, apesar do enorme desafio que o aumento das taxas de juros nas principais economias representa para países como Angola, esta situação não deixa de apresentar uma soberba oportunidade para se transformar de forma inequívoca a economia nacional. Todavia, tudo depende das medidas que a governação em Angola venha a adoptar. É hora de agir!