Temos de ter uma agenda cultural onde nós possamos desfrutar da arte
Dança carnaval há mais de 40 anos, ao reflectir sobre a cultura nacional nestes 50 anos de Independência, o actor destaca a necessidade de a cultura contribuir para a resolução dos problemas sociais do País.
No dia 8 comemorou-se o Dia da Cultura Nacional. Como é que caracteriza a nossa cultura?
Caracterizo a cultura nacional como um povo. Não há povo sem cultura. E todo o povo tem a sua cultura. Nós somos o povo angolano, temos a nossa identidade cultural. Naquilo que é a manifestação, o exercício, o mundo da cultura e o mundo das artes. Estamos a comemorar uma data em que todos nós, angolanos, devemos nos rever. Porque todos nós, angolanos, cantamos e actuamos. A vida é uma representação. É só nós sairmos à rua e olharmos bem para o grande cenário que é Luanda, que é uma cidade bonita, independentemente das críticas que se fazem ao sistema da urbanização e ao sistema de esgotos, de lixo. Mas a cidade de Luanda é uma cidade bonita.
É uma cidade que representa toda a cultura do País?
Sim, é uma cidade que recebeu de tudo um pouco do País. Ao passar por Luanda, vamos encontrar várias culturas, com várias línguas. Temos o bairro Huambo, com o umbundu. Temos o bairro Malanjino, com o quimbundu. Temos o bairro Uíge, com o kikongo. Isto é um mosaico cultural. É um quadro muito bonito, em termos de visão daquilo que é o mundo das artes, o mundo da cultura. Então, eu penso que todos nós, todos os dias, somos um elemento cultural. Porque todos os dias nós produzimos efeito. Produzimos cultura. Acredito que, falando em Dia Nacional da Cultura, estamos a fazer uma reflexão do que somos, onde estamos e para onde vamos.
Ao fazer essa reflexão, como é que avalia a nossa cultura?
Penso que, culturalmente, estamos bem. Porque há muita produção artística. Agora, as oportunidades de divulgação, da promoção... aí temos um problema muito sério. Temos poucos espaços para teatro. Temos poucos espaços para espectáculos artísticos. Não temos uma agenda cultural. Angola não tem... Luanda não tem uma agenda cultural. Temos de ter uma agenda cultural onde possamos desfrutar da arte. E, como o ministro [ da Cultura] diz muito bem, não podemos ver cultura como um elemento de diversão, de entretenimento, não.
Mas...
Temos de ver a cultura, independentemente do entretenimento, como elemento de educação e de participação directa naquilo que são os problemas do País. Porque hoje temos muita juventude que está na delinquência, mas o mundo das artes pode tirá-los da delinquência. Gosto de falar dos bairros, porque foram os bairros que nos deram esse crescimento cultural. Nós, no bairro, quando chega o período do Carnaval, os grupos carnavalescos consomem quase, na ordem de 25% a 30% da juventude da sua área. E essa juventude que está no Carnaval está toda desocupada, não faz nada, não tem preocupações.
E o Carnaval é só uma vez por ano...
Por isso, se um grupo de carnaval produzir durante um ano actividades culturais, esses jovens podem ter algum rendimento. E é este rendimento que vai fazer o País funcionar, porque no Carnaval há grupos com 1.500 a 2.500 pessoas. Essas pessoas, quando não têm Carnaval estão no desemprego, estão na rua. Mas nós podemos tirar da rua esses meninos que têm uma educação cultural. São artistas, eles podem produzir muito mais. Então, é uma questão de irmos ao encontro deles e apoiarmos naquilo que é preciso.
E vocês que trabalham directamente com o Carnaval, qual é a vossa estratégia para ocupar esses membros?
Não é fácil. Primeiro, uma sociedade vive com base naquilo que são as estruturas que se montam. Temos a sociedade civil e temos o governo. Então, a sociedade civil deve ter uma participação directa naquilo que é a governação. A sociedade civil deve ser parceiro da governação. É assim que existem entidades de utilidade pública, que o Estado financia. Nós, a União Nacional dos Artistas e Compositores (UNAC), estamos há 30 e tal anos nessa luta. Até hoje não somos reconhecidos como instituição de utilidade pública. Quando estamos a gerir uma actividade que se diz ser a maior manifestação cultural, o Carnaval. Se é a maior manifestação cultural, o elemento número um é pegar em quem está à frente da produção, da organização e da realização dessa actividade. A Associação Provincial do Carnaval de Luanda "APROCAL" é uma delas, mas há outras associações. A APROCAL está a trabalhar com outras províncias, no sentido de as associações estruturarem a organização do Carnaval, para que o Carnaval também se torne, independentemente de ser um produto cultural, que é muito forte, um produto turístico. Precisamos dar ao nosso Carnaval um produto comercial. Precisamos vender o nosso Carnaval e, para isso, temos de contar com todos os sectores da vida social.
De que forma é que querem tornar o Carnaval um produto turístico?
Acho que para o Carnaval ser um produto turístico deve-se investir nas infraestruturas. A começar pelos hotéis, as estradas, os transportes. Temos de investir nas sedes dos grupos carnavalescos. Independentemente do desfile do Carnaval. Nós hoje só temos dois ou três grupos com sedes em condições. Potenciar os grupos carnavalescos, criar condições de trabalho e criar as oficinas dos grupos... Os grupos carnavalescos têm de se tornar numa escola de aprendizagem do Carnaval durante o ano.
O que falta para se ver novamente o Carnaval de rua?
Bem, há coisas estruturantes que nós temos de ter em conta. Primeiro, Luanda cresceu. As ruas que tínhamos antes não são as mesmas de hoje. Temos problemas sérios de iluminação. Temos problemas de segurança, não assim tanto, mas ainda temos. Antigamente, havia zonas baldias onde os grupos podiam exibir. Hoje, essas zonas foram vendidas, são zonas habitacionais. Então, quer dizer, se pegarmos uma estrutura de um grupo de Carnaval, como o Recreativo do Kilamba, o Mundo da Ilha, o Kiela, e colocá-los na rua, em que rua é que eles vão poder se exibir? Mas isso não quer dizer que não podemos voltar ao Carnaval de rua. Esse é o nosso projecto. Voltar ao Carnaval de rua implica ter uma outra estrutura do grupo. É assim que nós, em termos de programação, temos um Carnaval não na terça-feira, mas na segunda-feira. Para possibilitar que, no dia do entrudo, os grupos possam desfilar nos bairros.
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