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Estado perde 100 milhões USD em financiamento que envolve Gemcorp e Odebrecht

Investigação

A Odebrecht disse em 2018 ao Governo que precisava de 400 milhões USD para as obras do Aproveitamento Hidroeléctrico da Laúca, mas só recebeu cerca de 300 milhões. O resto ficou na posse do financiador. Agora, o Governo volta a recorrer à Gemcorp, de acordo com um Despacho Presidencial de 29 de Outubro, para obter mais 400 milhões para Laúca.

O Estado pagou cerca de 400 milhões USD (fora juros) em dois financiamentos da Gemcorp em 2018 para pagar à Odebrecht, que apenas recebeu 300 milhões, pela sua participação nas obras da barragem de Laúca. Os restantes 100 milhões ficaram na posse do financiador, a Gemcorp, que desenhou o acordo para conseguir ganhar estes milhões em poucos meses.

Este valor de 400 milhões USD corresponde a dois empréstimos feitos ao Estado em 2018 para pagamentos à Odebrecht (250 + 150 milhões).

Vários documentos a que o Expansão teve acesso, relativos às operações de 2018, demonstram que a Gemcorp Capital LPP fez acordos com a Odebrecht com o conhecimento do Ministério das Finanças, em que estes dois financiamentos lhes permitiram ganhos de quase 70 milhões USD no financiamento de 250 milhões e de quase 30 milhões USD no de 150 milhões.

Olhando para os contratos do financiamento de 250 milhões USD, como parte do acordo comercial entre a Gemcorp para financiar a Odebrecht, estes chegaram a um entendimento denominado repartição de risco, conceito onde 100 milhões USD (40% da facilidade de crédito) foram retidos pelo financiador numa conta gerida por terceiros.

Segundo o contrato entre a construtora e o fundo, com o pagamento da primeira tranche por parte do Estado angolano, que ocorreu a 1 de Junho de 2019, houve uma diminuição desse risco, e dos 100 milhões USD retidos 37,5 milhões são remetidos para a Odebrecht e o restante segue para o financiador, a Gemcorp.

De acordo com uma fonte ligada ao processo, estas condições foram "desenhadas pela Gemcorp para maximizar os ganhos nas operações" e "acordadas com a Odebrecht". De acordo com um documento interno da Gemcorp a que o Expansão e o NJOnline tiveram acesso, os investidores do próprio fundo foram informados de que estes resultados que resultam das condições de risco podem ser ainda melhores já que a participação do fundo pode ser sindicalizada (financiamento repassado a outras instituições financeiras) sem perda destas condições de mitigações de risco. Ou seja, a Gemcorp passava o financiamento, mas garantia que as condições de mitigação de risco eram usufruídas por si. Um negócio fácil e muito rentável, admitem as fontes.

Estas condições de mitigação de risco constam no acordo entre o Governo, a Gemcorp e a Odebrecht. Na prática, tratava-se de um financiamento de 250 milhões (que iria custar 40 milhões em juros a três anos) que seriam canalizados em exclusivo para o pagamento das obras de Laúca. Só que a construtora brasileira recebeu menos de 200 milhões USD, já que 25% do valor do financiamento reverteu para o próprio financiador.

Quanto ao financiamento de 150 milhões USD decorrem os mesmos procedimentos, com acordos em que 25% do valor total fica "retido" mediante as condições de mitigação de risco acordadas previamente entre a construtora e o fundo. Este financiamento denominado "empréstimo ponte" durou cerca de oito meses, já que teria de ser pago com o capital angariado pelo Governo em 2018 com a emissão de Eurobonds que aconteceu perto do final do ano.

Entretanto, a 28 de Outubro foi publicado em Diário da República o Despacho Presidencial n.º183/19, em que é aprovado um contrato de financiamento entre o Estado angolano e a Gemcorp no valor de 400 milhões USD para a "cobertura das despesas incorridas com a implementação do Projecto Hidroeléctrico de Laúca. Contrariamente aos dois financiamentos de 150 milhões e 250 milhões de 2018, a Gemcorp aparece apenas como facilitador (ou "arranger") do financiamento, desconhecendo-se que instituição financiará o empréstimo, e qual o receberá. Também se desconhece que tipo de contrato será feito agora entre as partes envolvidas.

O Expansão apurou que a Gemcorp está a ver alvo de investigação pelo Serviço de Investigação Criminal (ver artigo). O Expansão solicitou esclarecimentos ao Governo sobre porque é que voltou a recorrer a financiamentos deste fundo que estará envolvido em práticas pouco transparentes no processo da linha de crédito de 600 milhões USD (ver artigo) que pode ter lesado o Estado em centenas de milhões de dólares, mas não obteve resposta até ao fecho de edição.

Já a Odebrecht e a Gemcorp escudam-se nos acordos de confidencialidade que envolvem a operação. No entanto, de acordo com fonte oficial da gestora de fundos, as operações que envolvem o financiamento de Laúca acima descritos "foram celebrados numa base concorrencial e forneceram a melhor solução possível para ambas as contrapartes, que têm acesso a vários fornecedores financeiros. Especificamente, as transacções de dívida soberana foram realizadas a taxas vantajosas para o governo angolano - a taxas de mercado ou abaixo. Esta solução permitiu a continuação dos trabalhos de um importante projecto de infra-estrutura para a economia angolana", refere a resposta ao Expansão.

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(artigo publicado na edição 549 do Expansão, de sexta-feira, dia 8 de Novembro de 2019, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)

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