Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Gestão

Pode ser uma razão, mas não é uma desculpa

EM ANÁLISE

As desculpas servem para justificar o nosso comportamento, como se não pudéssemos fazer de outro modo, como se as razões para agirmos de determinada maneira fossem superiores à nossa vontade: bati, porque também me bateram; ofendi a minha parceira, porque já o meu pai ofendia a minha mãe e a minha mãe me ofendia a mim...

A Mónica sente-se exausta. Trabalha todo o dia, chega a casa e ainda tem de supervisionar tudo em casa: se os miúdos comeram, se tomaram banho, se fizeram as tarefas, se a roupa do marido está em boas condições para levar amanhã para o serviço, se a funcionária fez a comida tal como ela orientou, entre outros. O marido, entretanto, está, invariavelmente, sentado no sofá indisposto, mal- -humorado. Mais tarde, a Mónica pergunta-lhe: "Carlos, o que foi? Ainda é o mesmo assunto?". O Carlos olha para ela, furioso: "O que é que significa aquela mensagem do teu ex-namorado? Explica-me isso!". "Eu já disse: ele estava fora, voltou, mandou um oi, perguntou como estou. O que é que isso tem de mal?". O que se segue já se repetiu mil vezes: o marido grita, acusa-a, injustamente, de se envolver com outros homens, insulta-a, depois acalma-se, por vezes chora. A Mónica olha para mim, e diz: "Não é culpa dele, doutora. Ele foi traído pela primeira esposa, é por isso que ele é tão desconfiado".

O Mauro explica-me: "Ela bate aos filhos quando eles merecem. Quando se comportam mal. Eu também apanhei muito e aprendi. Mas confesso que tenho pensado nisso e algo tem de mudar, doutora. Os meus filhos têm medo da mãe deles. Aflige-me ver isso. Depois vêm a correr para mim, e ela fica furiosa. Mas a culpa não é dela. Nunca conheceu o pai. O avô é que a criou, e o avô era muito cruel, batia com a cabeça dela na parede. Às vezes, pegava nela pelo pé e atirava-a contra a parede. Ela nunca soube o que era afecto. Mas os meus filhos... às vezes acho que ela exagera..."

A razão é a busca da causa de uma ocorrência, é uma tentativa de explicação para um fenómeno ou para um comportamento. O interessante no que diz respeito às razões é que estas são complexas e não são definitivas. Pode haver muitas razões. Quando temos um fenómeno, diferentes áreas do conhecimento apresentam razões variadas: a religião explica de um modo, o senso comum de outro, a filosofia e a ciência têm também diferentes perspectivas. Diferentes ramos da ciência apresentam explicações distintas para um fenómeno: a História, a Antropologia, a Sociologia, por exemplo, têm abordagens específicas. Mesmo diferentes escolas da Psicologia oferecem diferentes explicações para o comportamento, algumas centradas nas crenças disfuncionais aprendidas e interiorizadas na infância; outras em comportamentos sociais observados, aprendidos e reproduzidos; outras no reforço de determinados estímulos; outras ainda em traumas ocorridos, entre outras.

Tomemos o exemplo de trair o parceiro ou a parceira. Quais as razões para o fazer? As razões são complexas, inúmeras e, como disse antes, nunca definitivas. A traição pode decorrer de um comportamento observado em sociedade ("todos fazem"), pode decorrer de vontade de vingança ("ele fez, também vou fazer"), de desejo de autonomia ("é o meu espaço"), de carência afectiva ("ele é tão carinhoso... às vezes só ficamos a falar, durante horas"), de atracção pelo proibido ("eu sei que não devia e que está errado, mas é mais forte do que eu"), de misoginia e machismo ("as mulheres são todas iguais, e no fundo elas sabem que o mundo é mesmo assim"), pode ser um exercício de poder ("traio, porque posso"), pode ser um escape ("parece que esqueço tudo"), pode ser uma aventura ("foram muitos anos a portar- -me bem"), pode ser um desejo de validação ("preciso de sentir que sou atraente e desejável"), pode ser uma característica narcisista ("eu sou o máximo, tenho direito a tudo, e quem se incomoda é louco").

Tudo isso podem ser razões, mas não devem ser desculpas, no sentido de isentar a pessoa que age de qualquer responsabilidade sobre as suas acções. As desculpas servem para justificar o nosso comportamento, como se não pudéssemos fazer de outro modo, como se as razões para agirmos de determinada maneira fossem superiores à nossa vontade: bati, porque também me bateram; ofendi a minha parceira, porque já o meu pai ofendia a minha mãe e a minha mãe me ofendia a mim; tirei, porque o dinheiro estava mesmo ali à vista; gritei, porque o colaborador está sempre atrasado; disse um palavrão, porque o técnico me deixa nervosa. Tudo desculpas.

Se fôssemos completamente honestos e decidíssemos assumir, de facto, a responsabilidade pelo que nós fazemos, falaríamos, provavelmente, assim: o meu pai pode até ter traído a minha mãe, mas eu faço o mesmo porque eu quero fazer o mesmo. A minha mãe gritava comigo, e hoje eu grito com os meus filhos, porque quero gritar com eles (posso estar cansada, stressada, mas continua a ser uma decisão minha). Os meus chefes têm todo o poder e fazem o que querem, e eu grito com os meus subordinados porque também posso e quero gritar com eles!

Leia o artigo integral na edição 809 do Expansão, de sexta-feira, dia 17 de Janeiro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

Logo Jornal EXPANSÃO Newsletter gratuita
Edição da Semana

Receba diariamente por email as principais notícias de Angola e do Mundo