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O meu lugar preferido no serviço? A copa!

EM ANÁLISE

Cuidar, proteger, alimentar não são favores que fazemos aos nossos filhos: são obrigação! Dar ou retirar comida das crianças, no entanto, como recompensa ou castigo, ou obrigar a comer tudo o que está no prato, são, infelizmente, formas muito comuns que os cuidadores utilizam para ensinar ou reforçar determinados comportamentos nos filhos.

A hora da refeição, mesmo quando estamos a trabalhar, é, para muitos, sagrada e tirar a comida da marmita e aquecê-la é um ritual que remete, muitas vezes, para um tempo da infância, em que a comida era um momento de amor, conexão e partilha.

Algumas das memórias mais importantes que temos prendem-se, muitas vezes, com a comida na infância. A comida da mamã, que pode nem ser da mamã. Pode ser o arroz com feijão feito pela nossa mana mais velha; a feijoada que a nossa tia preferida preparava com a mamã e servia para todos lá em casa; o feijão frade preparado pela avó; o chouriço caseiro que o tio trazia do Lubango; ou o frango com churrasco que o papá trazia da loja do fundo da rua, em ocasiões de reunião familiar. A comida da mamã é a comida de conforto, a comida que nos fazia sentir especiais num dia especial, quando éramos pequeninos: aquele chá quente ou chocolate quente que a mamã preparava quando estávamos tristes ou tínhamos magoado o joelho; o arroz-doce ou o pudim que sabíamos que ela tinha feito especialmente para nós; a ginguba torrada que a mamã fazia quando tinha mais tempo. Por isso, por vezes, sem sabermos porquê, gostamos de sentir certos odores: abrimos a lata do café, só para o cheirarmos, porque a nossa querida avó preparava sempre o café quando éramos pequenos; absorvemos o cheiro do cacusso grelhado, que nos leva de imediato àquela primeira visita aos avós, que viviam no Sumbe, quando éramos crianças. É por isso que nenhuma comida é melhor que a comida da mamã: por causa do afecto e da memória.

Claro que nem tudo o que diz respeito à comida ou à infância é necessariamente doce ou bom. Por vezes, as lembranças de comida na infância são lembranças de fome, como podemos ver no excerto que vou partilhar a seguir, de um dos contos mais comoventes e magistrais que já li. Falo do conto "Vavó Xíxi e seu neto Zeca Santos", do livro Luuanda, de José Luandino Vieira:

"- Zeca! Olha ainda, menino... Parece essas coisas é mandioca pequena, vou lhes cozer. E tem esta laranja, vê ainda, menino! Arranjei para você...

E foi nessa hora, com as coisas bem diante da cara, o sorriso da vavó cheio de amizade e tristeza, Zeca Santos sentiu uma vergonha antiga, uma vergonha que lhe fazia querer sempre as camisas coloridas, as calças como sô Jaime só quem sabia fazer, uma vergonha que não lhe deixava aceitar comida, como ainda nessa manhã: Maneco tinha querido dar meia-sandes, voltara-lhe. Agora enchia-lhe no peito, no coração. Fechou os olhos com força, com as mãos, para não ver o que sabia, para não sentir, não pensar mais o corpo velho e curvado de vavó, chupado da vida e dos cacimbos, debaixo da chuva, remexendo com suas mãos secas e cheias de nós os caixotes de lixo dos bairros da Baixa. As laranjas quase todas podres, só ainda um bocado é que se aproveitava em cada uma e, o pior mesmo, aquelas mandiocas pequenas, encarnadas, vavó queria enganar, vavó queria lhes cozer para acabar com a lombriga a roer no estômago...

Nem Zeca mesmo podia saber o que sucedeu: saltou, empurrou vavó Xíxi e, sem pensar mais nada, antes que as lágrimas iam lhe nascer outra vez nos olhos, saiu a gritar, a falar com voz rouca, a repetir parecia era maluco:

- São dálias, vavó! São flores, vavó! É a raiz das flores, vavó!

A porta, inchada com a chuva, não entrou no caixilho dela. Bateu com força, uma vez, duas vezes; ficou depois a ranger, a chorar baixinho essa saída de Zeca."

Uma alimentação saudável é fundamental para o bom desenvolvimento das crianças, e faz parte das nossas obrigações, enquanto cuidadores: alimentar, prover, cuidar, proteger, acolher, amar. Está tudo relacionado.

Cuidar, proteger, alimentar não são favores que fazemos aos nossos filhos: são obrigação! Dar ou retirar comida das crianças, no entanto, como recompensa ou castigo, ou obrigar a comer tudo o que está no prato, são, infelizmente, formas muito comuns que os cuidadores utilizam para ensinar ou reforçar determinados comportamentos nos filhos. Os comentários sobre o peso das crianças, a mais ou a menos, é também, com frequência, fonte de bullying familiar, escolar e até no local de trabalho. Não surpreende, pois, que a relação com a comida esteja na raiz de várias perturbações da alimentação e da ingestão (ver DSM-V), tais como:

Leia o artigo integral na edição 795 do Expansão, de sexta-feira, dia 27 de Setembro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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