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Onde estás tu, na cadeia alimentar?

CAPITAL HUMANO

Nós, seres humanos, somos violentos, e exercemos tanta mais violência quanto maior for o nosso poder, quanto maior for a impunidade das nossas acções, e quanto maior for a vulnerabilidade e a invisibilidade da nossa vítima. A nossa violência reflecte o lugar em que estamos na cadeia alimentar.

O Lumelson explicava ao juiz: "Fico nervoso! Vejo tudo vermelho! Não me controlo! Quando a minha mulher chega um pouco mais tarde do serviço, suspeito logo que está com alguém, e, quando dou conta, já parti para cima dela! Mas não é de propósito, Meritíssimo. O Meritíssimo é homem e vai entender! É que não me controlo!". O Lumelson, no entanto, nunca perdeu o controlo com os colegas ou com o chefe. Porquê?

A Vanusa esforça-se por ser uma mãe presente e compreensiva, mas, por vezes, os miúdos enervam-na e ela começa a insultá-los furiosamente, bate- -lhes e culpa-os de a deixarem assim, exausta e fora de si. No entanto, ela trabalha com crianças o dia todo, e nunca perde a calma. Porquê?

Falamos cada vez mais - e ainda bem! - em inclusão. Falamos da necessidade de igualdade de oportunidades, falamos do respeito pelas mulheres, pelas pessoas com deficiência, pelas pessoas com orientações sexuais distintas das nossas, pelas crianças. Falamos em ir além do racismo, da xenofobia, do sexismo, do capacitismo, da homofobia, do abuso infantil, face à violência exercida contra determinados grupos da nossa sociedade. Há, de facto, pessoas extraordinárias, que usam o seu poder e a sua voz para tentarem diminuir as diferenças e para tentarem alcançar um maior equilíbrio entre os vários grupos sociais. Mas, ainda hoje, a violência continua presente.

Porque é que ocorre esta violência? E porque é que é selectiva?

Para o pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), "a ferocidade dos homens em relação aos seus semelhantes supera tudo quanto podem fazer os animais. Conceitos como a agressividade, o par amor-ódio, o sadismo e o masoquismo, a passagem ao acto, as pulsões de vida e de morte, o gozo, o desejo, o narcisismo, o trauma, entre outros, evocam, na sua obra, a dimensão da violência no humano" (Silva Júnior e Besset, "Violência e sintoma: o que a psicanálise tem a dizer?", Dossiê Psicanálise: Work in Progress, Fractal, Rev. Psicol. 22, Ago 2010). Entretanto, no campo da Sociologia, Émile Durkheim, em "As regras do método sociológico" (1895), também explica que a violência está presente em todas as sociedades e que não há nenhuma em que não haja criminalidade. Philip Zimbardo, por sua vez, no seu experimento "a prisão de Stanford" (1971), demonstrou que o ser humano é violento quando sabe que o pode ser impunemente, e que a violência tende a escalar.

Nós, seres humanos, somos violentos, e exercemos tanta mais violência quanto maior for o nosso poder, quanto maior for a impunidade das nossas acções, e quanto maior for a vulnerabilidade e a invisibilidade da nossa vítima. A nossa violência reflecte o lugar em que estamos na cadeia alimentar. Atacamos quem está abaixo de nós, e agimos com temor, respeito e deferência - ou, pelo menos, com cuidado e cautela - para com quem está acima de nós na cadeia alimentar.

Nós, seres humanos, discriminamos minorias, porque estas não têm visibilidade ou representatividade. Tratamos mal pessoas com deficiência, porque não têm poder. Muitos homens assediam e atacam mulheres, porque o machismo nos ensina que o homem é superior e que a mulher a (quase) tudo se deve submeter. Do mesmo modo, por causa desse machismo, discriminamos e atacamos os homens que achamos que se parecem com mulheres, nos gestos ou nas roupas. Muitos homens e mulheres maltratam os filhos, porque as crianças ainda são invisíveis e sem voz. E por aí vamos.

A violência está associada ao poder e afasta-se da justiça. Mas precisamos de lutar pela justiça, para diminuir tanto a impunidade de uns, como a invisibilidade de outros, para controlar o poder de uns e aumentar o poder dos outros.

Leia o artigo integral na edição 777 do Expansão, de sexta-feira, dia 24 de Maio de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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