Perda alargada de vergonha na cara!
Chegou a hora de assumir as responsabilidades, a começar pela assumpção alargada de vergonha na cara, pelo uso indevido e ineficaz do dinheiro público. E o compromisso com o fim da cultura da desresponsabilização. Não queremos mais relatórios de destruição de valor público ou de empresas públicas deficitárias ou a subsidiação continuada...
Oooohhhh! Esse foi o som emitido pelas mais de 300 pessoas na sala de conferências em Cabinda; logo depois veio o silêncio... e passo a explicar o porquê. Quando fui convidada em 2022 para a Conferência Nacional da Ordem dos Advogados de Angola, realizada em Cabinda, para participar no painel, "Perda Alargada de Bens" ao usar a palavra sugeri que o painel fosse rebatizado para "Perda Alargada de Vergonha na Cara"! O Oooohhhh... e o mal estar do painel foi explícito, mas fundamentei, detalhada e pedagogicamente, as razões desta afirmação que tem como base a Teoria da Agência (homo economics) e a teoria de Stewardship(1) no âmbito do governance público e privado.
Volto ao tema porque não posso deixar de expressar com especial agrado que o Presidente do Brasil, Lula da Silva, usou nas Nações Unidas a expressão "falta de vergonha na cara"(2) para falar da fome no mundo. Afinal (!) não tinha sido demasiado ousada, apenas tinha referido o que precisa de continuar a ser dito quando princípios básicos da good governance, e até do bom senso, são violados.
Ora vejamos! Em ambos os casos e afirmações o que está em causa são as teorias acima referidas e levadas não apenas à escala dos sectores público ou privado, mas sim a uma escala do governance global, como é o caso da fome no mundo. No sustentáculo à teoria estão elementos comuns, como o poder, interesses, conflitos, oportunidades e, sobretudo, a retirada de vantagens pela assimetria de informação (o desequilíbrio de conhecimento entre o gestor e o proprietário, ou entre quem tem poder de decidir e o executante ou consumidor).
Em termos práticos, é fácil de entender porque no sector privado, o privado é dono do seu negócio, tem activos, propriedades e um objectivo de crescer e prosperar. Aliás, a expressão "o porco engorda com o olho do dono" significa que um negócio tende a prosperar quando o proprietário está activamente envolvido na sua gestão. Por outras palavras, a presença e a atenção do dono fazem a diferença nos resultados e no sucesso da empresa. Mais ainda, transmite a importância da supervisão, do cuidado por parte da liderança, para garantir o bom funcionamento e a lucratividade negócio.
Já no sector público, e no caso de Angola em especifico, a expressão que impera é: "o cabrito come aonde está amarrado". Uma ideia que conduz que se aproveite as oportunidades do poder, na retirada de vantagens na assimetria de informação entre o proprietário e o gestor.
Afinal no sector público a propriedade é de quem? É de todos! A ideia que sendo um activo "público" de "todos", nada é pessoal e o princípio da responsabilização é esvaziado. Aqui entra ... o paradoxo do conflito no governance público, que surge pela natureza colectiva dos bens e serviços,onde a propriedade não é individualizada, mas compartilhada entre todos os cidadãos. Essa característica cria uma série de dilemas sobre a responsabilidade, a tal de accountability. A falta de uma propriedade individual clara gera uma percepção de que ninguém é inteiramente responsável pelo estado desses activos, levando a um fenómeno conhecido como "tragédia dos comuns". As implicações desse paradoxo e tragédia são profundas, afectando a confiança dos cidadãos nas instituições e a eficácia dos projectos governamentais. E, infelizmente, é nesse ponto que se encontram muitas empresas e projectos em Angola.
Leia o artigo integral na edição 801 do Expansão, de sexta-feira, dia 08 de Novembro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)