"O problema da dívida tem a ver também com a incapacidade de avaliarmos o impacto dos projetos"
A empresária Filomena Oliveira diz que a incapacidade de avaliarmos o impacto dos projectos para os quais o País se endivida, antes e durante a sua execução, é que faz com que continuemos a perpetuar os erros do passado e cita o exemplo das estradas, que custam rios de dinheiro e têm uma durabilidade efémera.
Na qualidade de empresária, que perspectiva tem da economia do País para este ano numa altura em que a dívida cresce, a cada dia, com quase 50% do OGE destinado ao pagamento de dívida e atrasados?
Costuma-se dizer que quando temos problemas devemo-nos concentrar nas soluções e nas oportunidades. É necessário avaliarmos o porquê da nossa dívida e como estamos a gerir esse tema, porque estamos sistematicamente a esmagar a capacidade produtiva do País, nomeadamente as micro, pequenas e médias empresas com políticas fiscais que não são de promoção do desenvolvimento da economia, mas sim contra o crescimento e isso não vai resolver nada, uma vez que os empresários, sobretudo dessa classe, não têm a capacidade, por si só, de pagar os impostos associados a pesadas multas.
Qual seria então a melhor solução para que os pequenos negócios possam contribuir com receitas fiscais para o Estado?
Diz-se que a base tributária está muito concentrada em poucos empresários e que a economia que não está legalizada fica de fora, ou seja, a economia é basicamente informal. Digo que a economia informal é uma economia de sobrevivência natural dos cidadãos, das pessoas. Aliás, durante a pandemia, que teve lugar há uns anos, na Europa e nos Estados Unidos, a economia que mais se desenvolveu foi a informal, onde as pessoas venderam bicicletas, móveis, máquinas, tudo a partir de casa, sem pagar impostos.
Defende que os pequenos negócios não paguem impostos?
Nada disso. O que quero dizer é que é necessário repensar a forma como estamos a tratar os pequenos negócios. Nos outros países, por exemplo, há todo um conjunto de incentivos para aquele pequeno negócio que está a iniciar e não é combatendo a informalidade que vamos resolver o problema da formalização, pois a formalização decorre da inadequação da própria legislação que temos no País, que se baseia em legislação de economias muito mais avançadas, que demoraram 500 anos no seu desenvolvimento, enquanto Angola hoje ainda tem uma economia de bebé de fraldas e queremos à força vestir um fato de adulto numa criança de fraldas.
Acha que chegou a hora da mudança de comportamento?
Claro. Esta incapacidade que temos tido até agora deve constituir a grande oportunidade de reavaliar como é que estamos a acarinhar o pequenino negócio que, eventualmente, pode chegar a micro, pequena e média empresa. Portanto, não é atacando, não é combatendo, mas sim apoiando, dando capacitação técnica e profissional aos jovens, para que esses pequenos negócios, como fazer vassouras de uma garrafa de plástico, fazer bolos em casa, transformar tomate fresco em tomate seco como já fazemos com o peixe seco, para estender a vida dos nossos produtos e possam contribuir para o desenvolvimento económico do País. Portanto, há toda a necessidade de repensarmos o que estamos a fazer para fomentar a nossa economia e o pequeno negócio, que são aqueles que dão mais emprego em todo o mundo. Aliás, a própria Toyota, toda a sua actividade, é baseada na produção familiar.
O que sugere neste caso?
Sugiro que é necessário repensarmos a política fiscal, que não deve ser uma política exclusivamente de extracção de recursos, mas deve ser de promoção e de apoio e incentivo também às empresas para que elas possam, então, gerar mais emprego, mais riqueza e mais impostos e não o contrário que se assiste nos dias de hoje.
Então concorda com aquilo que dizem os empresários, que as políticas fiscais estão a matar a economia e as empresas?
É óbvio. Entende-se que o Executivo tenha uma grande atenção à necessidade de pagar a dívida. Aliás, diga-se, a qualidade da dívida que nós temos é extremamente penalizante, sobretudo quando vamos a agências multilaterais. Diz-se mesmo na gíria internacional que Angola é um dos países que mais lucros dá ao Banco Mundial e ao FMI devido à qualidade da dívida.
Neste caso, o que defende?
Temos de repensar a forma como estamos a contrair dívida, mas, sobretudo, temos de olhar para a integração dos recursos nos nossos programas e nos nossos projectos. O problema da dívida tem a ver também com a nossa falta de capacidade de avaliarmos o impacto dos projectos, antes, durante e no final, porque esse dinheiro é solicitado para projectos. Essa incapacidade é que faz com que continuemos a perpetuar os mesmos erros do passado. Isso significa também falta de capacidade de gestão por parte dos gestores públicos, sobretudo daqueles que têm estado a tratar da implementação dos programas e dos diferentes projectos. O País gasta muito dinheiro desnecessariamente quando temos projectos e programas que são concorrentes e paralelos e que deveriam estar integrados num só.
Significa dizer que tem havido duplicação de custos?
Está à vista de todos, porque, como não há integração, significa que estamos a ter custos e recursos extras. Assim sendo cria-se, então, um espaço e oportunidades para que haja um conjunto de entidades do Estado a ir buscar recursos no mesmo OGE quando há todo um conjunto de actividades que podem ser partilhadas e deveriam ser integradas. Se assim fizermos, vamos ver que vai chegar mais longe o nosso orçamento e que vamos conseguir uma maior integração económica das nossas famílias, porque a pobreza e a fome não se combatem por si.
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