"Angola continua a ter um problema terrível com as minas terrestres"
O principal responsável de uma das organizações de luta contra as minas terrestre esteve em Luanda para mostrar o que tem sido feito para desminar o País. O objectivo de ter um território livre de minas até ao final de 2025 está longe de ser atingido, mas há um novo ímpeto no processo.
Angola já foi o País com mais minas terrestres do mundo, um reflexo da história recente e das várias guerras e confrontos militares que aconteceram neste território nas últimas décadas. Como olha hoje para Angola, mais de 20 anos depois do fim da guerra civil e cerca de 30 anos depois da Halo Trust se instalar no País, e mais concretamente para o processo de desminagem, que ainda está longe do fim?
Costumo visitar regularmente Luanda, mas também outras regiões de Angola, porque este é um dos maiores programas implementados pela Halo Trust. Somos a maior e mais antiga instituição de caridade para a desminagem do mundo, com presença em 30 países e cerca de 12.000 trabalhadores. Estamos presentes em alguns dos países mais difíceis do mundo - daqui viajarei directamente para o Afeganistão. Mas o principal motivo para a minha presença aqui é porque Angola é realmente importante para nós, é um dos grandes países de África e, apesar das suas enormes potencialidades, continua a ter um problema terrível com as minas terrestres. Em Angola, ainda existem cerca de 1.000 campos minados por desactivar. Mas também há boas notícias.
Em que sentido?
Já conseguimos eliminar definitivamente outros 1.000 campos minados, ou seja, estes indicadores demonstram que estamos a meio do caminho. Também estou aqui para constatar pessoalmente os progressos que têm sido realizados, para ver pessoalmente os nossos colaboradores e felicitá-los pelo trabalho que fazem, mas também para visitar os nossos principais doadores. E o mais notável desses doadores é o próprio governo de Angola.
O engajamento do governo no processo de desminagem é uma novidade?
Deixem-me contar uma história: a verdade é que viemos para Angola devido a uma enorme necessidade humanitária, porque a guerra ainda estava a decorrer naquela altura. Quando chegámos, em 1994, tivemos um grande impulso, mas depois as pessoas perderam confiança. Houve um período em que tivemos de reduzir as nossas operações em Angola e também o número de desminadores a trabalhar para a Halo Trust. Foi por isso que registamos, em 2016, o número mais baixo de sempre, com apenas 200 desminadores activos.
De que forma ultrapassaram essa situação?
Tivemos de reconstruir a nossa presença em Angola. A forma como isso aconteceu deve-se fundamentalmente à liderança demonstrada pelo governo. Angola é um dos únicos países seriamente afectados por minas terrestres em que o governo se transforma num dos principais doadores do processo de desminagem. Actualmente, o governo financia directamente cerca de metade das nossas acções de desminagem.
Que efeitos concretos tem essa realidade no vosso trabalho?
Esta liderança encorajou outros a virem atrás de nós e isto também motivou bastante o aumento de doações por parte de parceiros americanos, do governo britânico, mas também de doadores privados, de algumas empresas e algumas fundações. Foi assim que conseguimos criar um novo programa em Angola, agora com 1.600 desminadores. É um programa enorme e significa que o processo de desminagem está a ser cada vez mais rápido. Estamos agora novamente a ganhar um grande ímpeto no sentido de nos livrarmos dos 1.000 campos minados que ainda estão por desactivar.
Por que razão a comunidade internacional e os principais doadores perderam, em determinada altura, confiança no processo de desminagem que estava a ser implementado em Angola?
Em primeiro lugar, penso que o mundo, naquela altura, tinha prioridades diferentes. Em segundo lugar, acredito que as pessoas e a comunidade internacional estavam preocupadas com a governação em Angola. Agora temos um governo que está empenhado em melhorar esta situação e que tem feito um trabalho fantástico. Por isso, gostaria de aproveitar este momento para saudar o governo de Angola e agradecer pela sua liderança ao nível dos programas de desminagem no País.
Em termos de financiamento, que é uma das componentes mais importantes, quais são os valores que estão em causa?
Precisamos de cerca de 20 milhões USD por ano para financiar as nossas operações. E o governo de Angola comprometeu- -se em financiar metade desse valor. Ao mesmo tempo, os nossos outros parceiros têm sido encorajados pelo comportamento das autoridades, mas estamos sempre à procura de novos doadores. Quanto mais financiamentos conseguirmos, mais pessoas podemos contratar e mais rapidamente podemos tornar este País livre de minas. Acredito que a nossa contribuição para este processo pode ser ainda maior.
Até quando podem assegurar as vossas actividades em Angola com os financiamentos que estão disponíveis actualmente?
O financiamento está garantido para este período, que termina no próximo ano (em 2025). Estou aqui também para estabelecer contactos com o governo de Angola sobre o que vai acontecer no futuro. Penso que Angola quer ser um país livre de minas terrestres, mas vou também aproveitar esta ocasião para mostrar os impactos da desminagem na vida das pessoas. É certo que 20 milhões USD por ano parece um valor elevado. Mas pensem nos efeitos positivos.
Leia o artigo integral na edição 788 do Expansão, de sexta-feira, dia 9 de Agosto de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)