O preço da desigualdade
Angola é dos países mais desiguais do mundo, tomando 2012 como referência e as tendências dos mais relevantes indicadores de desigualade dos últimos 10 anos
A desigualdade é uma situação em que uma parte substancial dos cidadãos não tem condições de auferir um nível de rendimento compatível com a satisfação das suas necessidades materiais e imateriais mínimas.
E parece que o crescimento económico - ainda que condição indispensável - não tem sido o factor suficiente para se reduzirem as assimetrias entre pessoas e mesmo entre países.
O título deste meu artigo retirei-o do último livro de Joseph Stiglitz, intitulado The Price of Inequality (W. W. Northen Company, 2013) e onde o autor analisa o estado (e o preço) da desigualdade em vários países do mundo com especial incidência nos Estados Unidos e nos países petrolíferos, onde o modelo de acesso à renda do petróleo é a principal fonte de desigualdade entre as pessoas, com não mais de 3% da população a deter mais de 50% do rendimento nacional.
Angola é dos países mais desiguais do mundo, tomando 2012 como referência e as tendências dos mais relevantes indicadores de desigualdade dos últimos 10 anos.
Os progressos registados depois de 2002 são manifestamente insuficientes para se perceberem alterações estruturais sustentáveis em direcção a uma maior igualdade da repartição do rendimento nacional.
As pessoas ricas são cada vez mais ricas e as pobres e remediadas aumentam a um ritmo superior ao do crescimento do PIB por habitante, numa base real.
Mantendo-se este cenário durante muito tempo, as bases da sustentabilidade do crescimento e da diversificação da economia não chegam a ser construídas. Não se trata apenas de trabalhar para que o país deixe as listas internacionais que o classificam de least developed country, mas principalmente de alterar o vigente modelo de acesso e repartição do renda petrolífera, que tem claramente beneficiado a elite política e empresarial.
Os mecanismos de mercado não têm capacidade de só por si próprios alterarem este modelo. Quanto mais se aprofundar a economia de mercado, maiores serão as diferenças de rendimento entre os cidadãos angolanos e se não houver vontade política de liberalizar o rent-seeking nacional - tornando-o mais transparente e inclusivo por intermédio de políticas e medidas de democratização efectiva de oportunidades - então os progressos serão sempre marginais.
Para Stiglitz o rent-seeking é o processo político que ajuda os ricos a sê-lo a expensas do resto da sociedade e pode assumir diversas facetas: transferências e subvenções ocultas e públicas por parte do Estado, leis que tornam os mercados menos competitivos, aplicação negligente de leis da concorrência existentes, acesso privilegiado a informação diversa e ao crédito, etc.
Todas estas modalidades existem em Angola, sendo por aqui que a maior parte da renda do petróleo se transfere para a elite política e empresarial. E evidentemente que na ausência de um Estado Social em Angola, a tendência é para o agravamento da desigualdade nos próximos anos.
Esta é a minha grande preocupação para as gerações de jovens que se preparam para entrar na vida activa e aceder à franja a que têm direito do rendimento nacional.
A construção dum Estado Social - na designação social-democrata de Bismark e nas concepções mais refinadas que se seguiram e que foram facilitadas pelas políticas e resultados dos 30 Gloriosos Anos - demora bastante tempo e é apelativo duma efectiva e inabalável vontade política em o fazer, que aparentemente inexiste no nosso país.
Se assim não fosse, o país tem, por enquanto, recursos financeiros suficientes para tornar os cidadãos mais iguais entre si e nas oportunidades de criar rendimento. Como se sabe, o Estado Social está em discussão numa Europa afectada por uma crise de crescimento económico que não tem permitido a reprodução alargada das suas principais componentes: educação, saúde e previdência e segurança social.
Mas não só. A discussão ideológica entre neoliberalismo e Estado Social tem-se tornado dominante em contextos onde o crescimento económico parece escasso face às necessidades de aumento do emprego e dos impostos, fontes importantes para a reprodução do sistema em bases alargadas. Mesmo nos países nórdicos da velha Europa - Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca - o debate está aceso.
E o mais preocupante é que as teses de redução da intervenção social do Estado parece estarem a ganhar adeptos, para quem a competitividade numa economia cada vez mais global é o aspecto mais determinante da sobrevivência dos países. A Suécia, por exemplo, está a pôr em causa o seu secular modelo social de desenvolvimento.
O sintoma do aumento das desigualdades sociais neste país de elevado índice de desenvolvimento humano tem sido as reivindicações e as manifestações populares que desde 2006 têm-se registado em algumas das suas cidades.
O mote tem sido a aumento da desigualdade social expressa nos indicadores seguintes: o índice de Gini passou de 0,22 para 0,33 entre 1990 e 2011, a parte do rendimento das famílias mais abastadas aumentou consideravelmente no rendimento nacional, o rendimento disponível das 20% famílias mais pobres tem estagnado ou mesmo baixado nos últimos 20 anos e a taxa de pobreza relativa passou de 6,5% em 1995 para 14% e 2011. Tudo isto apesar do Estado Social.
Estas tendências marcam uma profunda ruptura na história do modelo social sueco. A sua força principal foi colocar no centro do seu desenvolvimento o investimento social e o Estado-Providência generoso e universal, desconectando-se o acesso aos serviços públicos de qualidade do poder de compra individual.
Também a aplicação duma política voluntarista de redução das desigualdades - de que eu falava mais atrás - que aumentou consideravelmente a mobilidade social dos suecos, de um diálogo social vigoroso e de uma política de criação de emprego efectivo.
Angola está muito longe deste modelo, sendo portanto muito incerto que a desigualdade deixa de aumentar no país. Por exemplo, a taxa de desemprego tem-se mantido muito alta nos últimos 10 anos, apesar das elevadas taxas médias anuais de variação do PIB.
E este desemprego tem um custo económico e um custo social, que pode ser avaliado de várias maneiras. Para a economia, uma taxa de desocupação da população economicamente activa de 25% a 30% pode significar a perda de oportunidade de se gerar um diferencial de PIB da ordem de 50 mil milhões USD.
Do ponto de vista social, este desemprego equivale a uma perda de poder de compra das famílias pobres e remediadas da ordem dos 6 mil milhões USD. E do ângulo das finanças públicas, uma desutilidade de 900 milhões USD. Por isso é que o aumento do emprego e dos salários médios é um imperativo social e uma necessidade económica.