Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Grande Entrevista

"Fazem-se mais seminários de solidariedade social do que acções concretas, com resultados"

HENRIQUES NUNES, FUNDADOR DO BANCO ALIMENTAR ANGOLA

Henrique Nunes cumpriu o serviço militar português em Angola antes da independência, e voltou ao País em 1977 a convite do Presidente Agostinho Neto, para instalar as máquinas de raio X no Hospital Josina Machel, que ainda estavam embaladas nas caves e que ele próprio tinha vendido, era empregado da Philips, ainda no tempo colonial. Desenvolveu inúmeros projectos e empresas e foi o fundador do Banco Alimentar contra a Fome Angola.

Começando pelo princípio. Explique-nos como surge o Banco Alimentar contra a Fome Angola, quem esteve envolvido e quais eram os objectivos?

Começou há 18 anos, resultado de uma ligação que eu tinha com o comandante Vaz Pinto, fundador do Banco Alimentar contra a Fome em Portugal, que me disse que queria replicar em Angola o que estava a acontecer lá. No ano seguinte, tentei arranjar parceiros, e o primeiro a quem bati à porta foi o advogado Manuel Gonçalves, Né Gonçalves como é conhecido, que na altura estava muito envolvido na constituição da Ordem dos Advogados. Precisava de alguém que transferisse as regras do Banco Alimentar de acordo com a lei vigente em Angola.

O enquadramento jurídico...

Sim. Os estatutos do Banco Alimentar Angola não podiam ser uma cópia dos de Portugal. Falei com ele, mas ele estava muito empolgado com a criação da Ordem, então fui bater a outra porta, ao Dr.º [Paulo] Tchipilika, que realmente, sem cobrar nada, transportou para a realidade angolana os estatutos do banco. Tinha os estatutos, mas não tinha o fundador. Sou português e precisava de um angolano para fazer esta caminhada comigo.

E qual foi a solução?

Foi bater à porta de uma amiga, também colega de formação, a engª Albina Assis. Ela, durante dois anos, andou naquele sim, não, talvez, mas acabou por aceitar e é até hoje a minha parceira neste projecto, dos 15 que iniciaram. Os outros foram ficando, mantêm-se, mas não estão presentes.

Qual era a estratégia de implantação?

Primeiro tinha de ser um banco fora da política. Em Portugal, hoje, nenhum partido político entra no Banco Alimentar contra a Fome, só o Marcelo Rebelo de Sousa. Mesmo alguns dos meus co-fundadores diziam que nós, por não nos associarmos à Fundação Lwini ou à FESA, não conseguíamos nada. Eu sou Escorpião, aprendi uma palavra há uns 30 anos com o empresário português Belmiro de Azevedo, que hoje se fala muito mas na altura era praticamente desconhecida, uma coisa chamada resiliência. E eu sou resiliente.

Mas não houve tentativas de aproximação por parte dos partidos políticos

Sim. Mas eu resolvi a questão do seguinte modo: vamos ter de conseguir com a sociedade civil e não com as fundações existentes, que eram interligadas ao governo. E a primeira "pedrada no charco" foi o convite que fiz ao senhor Jaka Jamba, ao arcebispo de Luanda, ao reitor da Universidade Católica para, juntamente com outros elementos, que eram do partido do governo, fundar o Banco Alimentar. Convidei, por exemplo, o Rui Mingas, com quem corri no Benfica quando era miúdo, pedi à Isabel Jonet, embaixadora da União Europeia em Luanda, para também fazer parte, o Pepetela...

Era um grupo de gente importante.

Era um grupo que já não era só de uma cor, e fomos fazendo com muito esforço. Posso dizer que agora só tenho um único patrocinador, esse é um ponto importante. Devemos dizer que esta sociedade angolana deve olhar de outra forma para a solidariedade social, em vez de fazer de conta que olha para a solidariedade social.

Quando arrancou realmente?

Fizemos a primeira campanha em 2011, correu muitíssimo bem, havia muitos expatriados em Luanda que já conheciam o conceito e forma de angariação, alguns já tinham participado em Portugal no Banco Alimentar. Posso dizer que a Soares da Costa tinha 170 voluntários e hoje não tenho 170 no total, sem ser nas campanhas. Começámos com sete instituições e hoje temos 24. Aumentámos mais quatro este ano. Mas, realmente, há que dizer que foi um percurso muito complicado. Para ter uma ideia, em 2011, tive um apoio de 50 mil USD, em 2023 tenho um apoio de 10 milhões Kz.

Mas tem mais instituições agregadas ao projecto. Isso quer dizer o quê?

Basicamente foram essas as melhorais que se conseguiu. Até à Covid, ainda não havia uma deterioração do poder de compra, as pessoas davam mais, hoje dão menos porque têm de olhar para a sua própria dieta alimentar. Por outro lado, temos hoje um grupo económico que, através dos seus fornecedores, nos tem trazido aquela mais valia que nós não tínhamos, inclusive um outro tipo de produtos, como detergentes, papel higiénico, água, produtos que as instituições também consomem e que nas campanhas nos supermercados não nos dão.

Os angolanos dão? São solidários?

Os angolanos dão muito. A classe média angolana é a que dá mais. E noto isso hoje, quando há estes problemas económicos. Há cerca de seis/sete anos a classe alta deu bastante nas campanhas, mas foram os primeiros a ressentirem-se da crise e hoje não dá. Se analisarmos as doações nos supermercados, claramente é a classe média que mais contribui.

Há um espírito de solidariedade nos angolanos?

Existe na doação, mas infelizmente não existe na activação. Ou seja, na colaboração no day after...

Leia o artigo integral na edição 737 do Expansão, de sexta-feira, dia 11 de Agosto de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

Logo Jornal EXPANSÃO Newsletter gratuita
Edição da Semana

Receba diariamente por email as principais notícias de Angola e do Mundo