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Opinião

Investimento em infraestruturas deve levar à transformação da economia

MILAGRE OU MIRAGEM?

Uma forte aposta na construção de infraestruturas não leva necessariamente à transformação. O problema da estratégia angolana é que ela dificilmente permite a criação de sinergias

No discurso de tomada posse deste segundo mandato, o Presidente João Lourenço indicou que o seu Executivo iria continuar com alguns projectos estruturantes, como, por exemplo, o Porto Caio em Cabinda, os aeroportos de Cabinda, Mbanza Congo e o novo aeroporto internacional de Luanda. Outras infraestruturas, como a barragem de Caculo Cabaça e o Polo de Desenvolvimento da Barra de Dande, também serão concluídas. Foi dito igualmente que o Executivo deverá aumentar o fornecimento de água a Luanda, através do centro de captação e distribuição do Bita e Quilonga, e no sul de Angola vão ser construídas albufeiras.

Todavia, agora olhando para o processo de reconstrução pós-guerra, sabemos que uma forte aposta na construção de infraestruturas não leva necessariamente a transformação de uma economia. De facto, a evidência empírica mostra que muito do crescimento que a economia chinesa registou em outros sectores e que levou à transformação da economia, depois de 1978, esteve muito ligado à dinamização do sector de construção, incluindo as obras públicas.

O mesmo não se verificou em Angola, i.e., apesar do crescimento da contribuição do sector da construção para o PIB (saindo de 5,4% em 2002 para 13,7% em 2017), a indústria transformadora em Angola, como um todo (% do PIB), entre 2002 e 2020 apresenta um valor acrescentado(1) médio de 4,8%, muito abaixo dos 10,9% que é o valor médio para África subsariana neste período. Se olharmos para a Nigéria (um país, tal como Angola, ainda dependente das receitas do petróleo) vemos que lá o crescimento médio do valor acrescentado da indústria transformadora neste período foi de 9,4%. É preciso que as infraestruturas que o Executivo pretende concluir nesta legislatura estejam ao serviço do sector produtivo.

Os principais portos de Angola, apesar de terem passado por um processo de modernização e expansão para alguns deles, continuam a não servir de mola impulsionadora para as exportações de Angola. Abrimos aqui um parêntesis para dizer que o terminal mineiro no porto do Lobito tem um grande potencial para liderar este processo. Infelizmente, estas infraestruturas têm servido mais para dinamizar as importações. Daí que nos interrogamos se existe um plano para que, por ex., empresários nacionais e estrangeiros desloquem as suas operações para Cabinda e passem a usar o Porto de Caio como saída para os seus produtos? Notem que um porto moderno em Cabinda, além de atrair os empresários nacionais, pode incentivar os produtores da RDC a terem essa infraestrutura como porta de saída para as suas mercadorias. Para que isto aconteça é preciso agir de forma deliberada, criando incentivos concretos, e não deixar ao livre- -arbítrio do mercado.

O mesmo verificamos com a obra do Polo de Desenvolvimento da Barra de Dande. Até hoje não se sabe que tipo de indústria o Executivo pensa convidar e incentivar a instalar-se nessa infraestrutura. Do trabalho de campo realizado, no âmbito do nosso estudo comparativo(2) sobre as condições de emprego na construção de obras públicas em Angola e Etiópia, notamos que na Etiópia o governo deixou de construir parques industriais generalistas. Tomamos nota que os parques industriais na Etiópia têm fins específicos, com vista a acomodar uma certa indústria. Por ex., o parque de Hawassa está vocacionado para a indústria têxtil e o vestuário, criando assim um cluster que permite gerar economia de escala (facilitando a transferência de tecnologia e técnicas de gestão).

Em Angola, os pólos industriais não são especializados já que acomodam todas aquelas indústrias e serviços que necessitam de espaço para se instalarem. O problema da estratégia angolana é que ela dificilmente permite a criação de sinergias entre empresas do mesmo sector. Esta estratégia também não permite que os fornecedores de uma dada indústria estejam aglutinados numa mesma zona, optimizando assim as cadeias de fornecimento.

Enfim, neste discurso de tomada de posse, podemos dizer que o Presidente João Lourenço perdeu uma boa oportunidade de mostrar que tem um plano viável para transformar a economia nacional. O investimento em infraestrutura pode contribuir para o crescimento económico, porém, na ausência de uma articulação, ele acaba por não ser o suficiente para transformar a economia. Da apreciação feita à reacção dos especialistas e fazedores de opinião ao discurso, ficamos com a impressão de que vamos ter mais do mesmo. Se assim for, dificilmente o resultado poderá ser diferente.

1 Mesmo tendo em conta o crescimento verificado na produção de cimento, aço e outros materiais de construção. Fonte: Autor com base no "World Development Indicators" actualizado 15 Fev 2022

2 hOya, C. and Wanda, F. (2019) "Condições de emprego em Angola. Construção de obras públicas e indústria de materiais de construção em Angola" (Relatório final). Projecto ESRC-DFID ES/M004228/1 https://www.soas.ac.uk/idcea/ publications/reports/file141202.pd