O novo paradigma de crescimento económico continua adiado
O crescimento económico continua errático devido a ausência de uma aposta séria num rápido processo de industrialização, conforme ilustrámos num outro texto.
No nosso primeiro texto de 2022 analisámos algumas das implicações que a apreciação do Kwanza poderia ter no desempenho da economia. Na altura, alertámos que era necessário que a governação não caísse na tentação de utilizar o aumento das receitas provenientes do petróleo (fruto da alta de preços) e a apreciação da moeda, para incrementar o consumo corrente em detrimento das importações de bens de capital. Todavia, não deixámos de assinalar que num ano eleitoral tal seria quase uma "missão impossível". Este ano não foi apenas um ano eleitoral, foi também o ano em que Angola celebrou 20 anos de paz. Lamentavelmente, as políticas adoptadas pela governação nessas duas décadas ainda não aproximaram Angola do tão desejado milagre económico.
O crescimento económico continua errático devido a ausência de uma aposta séria num rápido processo de industrialização, conforme ilustrámos num outro texto. Recentemente, Angola esteve presente na Cimeira sobre Industrialização em África, realizada no Níger, acreditamos que a governação tenha tido a oportunidade de ouvir e ver as experiências de outros países africanos.
Na ausência de dinamismo num sector chave como a indústria transformadora, capaz de (por efeito de arrasto) galvanizar outros sectores, o desemprego, particularmente entre a juventude, e a pobreza extrema, mantiveram-se a níveis preocupantes neste ano. Tudo isso, quando dados do Fundo das Nações Unidas para a População indicam que em cada mil raparigas, entre os 15 e 19 anos de idade, 163 têm um filho, devido essencialmente à falta de conhecimento sobre saúde reprodutiva. Na ausência de um programa sério de educação sexual, e acesso gratuito a contraceptivos, verifica-se um aumento contínuo da população tornando irrelevante qualquer plano de desenvolvimento.
Apesar do aumento da despesa pública em obras públicas, devido às eleições, manteve-se a apetência pela contratação simplificada, que registou um incremento de 147% no 1.º semestre face ao período homólogo, prejudicando o desempenho de grande parte das empresas no sector da construção. O programa integrado de intervenção nos municípios ainda não foi capaz de dinamizar o sector produtivo se tivermos em conta que o peso do sector petrolífero no PIB de Angola manteve-se acima dos 30% no 1.º e 2.º trimestre deste ano, e sectores chave como a agricultura (7,3% e 10,8%) e a indústria transformadora (5,8% e 6,8%) não tiveram o desempenho desejado. Pelo que, apesar do discurso político dizer o contrário, o novo paradigma anunciado em 2017, tal como ilustramos no nosso livro "Milagre ou Miragem?
Um Novo Paradigma para Angola (vol. 1)", continua adiado! A recuperação global pós-Covid-19 teve início em meados de 2021 com a vacinação e reabertura das fronteiras, porém, o mundo enfrenta agora uma nova crise provocada pelo aumento do preço do barril de petróleo fruto da guerra na Europa. Sendo Angola um país produtor de petróleo, este aumento do preço ajudou a melhorar o quadro macroeconómico, traduzido num aumento das reservas internacionais, melhoria das contas externas, estabilidade cambial e até mesmo numa apreciação da moeda. Esta melhoria, aliada à já mencionada reabertura das fronteiras, num contexto de alto desemprego em Angola (pela fraca aposta nos sectores chave já mencionados), resultou, segundo dados do SME, no aumento do fluxo migratório para o exterior neste ano.
Claro que a imigração não é um mal, se dela resultar um aumento no envio de remessas do exterior para Angola, e/ou entrada de produtos feitos em Angola nos países de acolhimento. Porém, o exemplo de outros países, como Cabo Verde, mostra que este impacto positivo não acontece por acaso. É preciso que a governação saiba mobilizar este talento no exterior e colocá-lo ao serviço da transformação da economia.
Ao longo deste ano vimos o Chefe do Executivo a desdobrar-se na mobilização de recursos para o sector privado, bem como a expressar repetidas vezes a sua vontade de ver um aumento no volume de investimento estrangeiro. Todavia, mantêm-se os constrangimentos que inviabilizam o investimento privado fora do sector petrolífero, i.e., ausência de infraestruturas produtivas (como parques industriais e perímetros irrigados), ausência de estradas, fornecimento deficiente de utilidades como água e energia eléctrica, dificuldades no registo da propriedade, excesso de burocracia no arranque de um negócio e pouca disponibilidade de financiamento.
Enfim, se no campo político este ano serviu para a governação renovar o seu mandato, no campo económico, o discurso político continua a privilegiar, contra a evidência empírica, o desenvolvimento simultâneo de todos os sectores, turismo, agricultura, pescas, saúde, quando o ideal seria apostar em 2 ou 3 sectores capazes, por efeito de arrasto, de dinamizar tudo o resto. Consequentemente, 2022 acaba por proporcionar aos angolanos, mais do mesmo!