Depreciação do Kwanza não promove as exportações, mas sim tensão social!
Se o Executivo, ao invés de promover a importação de bens de consumo corrente, como foi por exemplo o caso da criação da Reserva Estratégica Alimentar, tivesse criado condições capazes para incentivar a importação de bens de capital (e equipamentos) que pudessem depois contribuir para a dinamização do sector produtivo doméstico, os produtores nacionais no actual contexto de um kwanza fraco, e com devidos incentivos (e infraestruturas), poderiam procurar expandir-se para os mercados externos.
A teoria económica indica que uma forma de os países promoverem as suas exportações, e com isto arrecadarem mais divisas, é deixar que sua moeda deprecie e, desta forma, aumentarem a competitividade da produção nacional. Ora bem, a evidência empírica mostra que este modelo parece que não funciona em Angola, por que razão?
Num outro texto(1) explicamos que o Executivo acreditava ser a "estabilização macroeconómica do país", por via de reformas estruturais, condição prévia para a criação de uma "economia de mercado dinâmica e eficiente", segundo palavras do Chefe do Executivo, na sua mensagem sobre o Estado da Nação em 2020. Hoje, tal como no passado recente, a evidência empírica mostrou que a recente estabilidade macroeconómica, a qual se inclui a estabilidade da moeda local o Kwanza, não permitiu a transformação estrutural da economia, i.e., o surgimento de outros segmentos da económica capazes de levarem a redução do peso que o sector do petróleo ainda tem na economia angolana (por ex., principal fonte de receita fiscal).
A actual depreciação do Kwanza, face às principais moedas, tem muito a ver com uma gestão deficiente do plano anual de endividamento e o serviço da dívida, numa altura em que se regista uma redução das receitas petrolíferas devido à redução da produção. Isso porque apesar de em alguns momentos o preço do barril de petróleo ter estado ligeiramente abaixo do preço definido no OGE (75 USD), dados do Banco Mundial mostram que o preço médio do barril de Brent (de Janeiro a Maio) é de 80.83 USD, muito acima da meta prevista no OGE 2023.
Claramente que estávamos certos quando no nosso texto "Redução das Reservas Internacionais deve merecer uma atenção" Edição 686 (de 5 de Agosto de 2022), alertamos que em 2022, um ano eleitoral, a governação em Angola estava a priorizar o consumo corrente, mas que era preciso não esquecer que "depois das eleições a vida continua, e não estando a tomar medidas que possam, por ex., aumentar o peso das importações de bens de capital que contribuam para dinamizar o sector produtivo, Angola corre o risco de continuar a baixar o stock das reservas internacionais, tornando o País menos atractivo para o IDE num contexto global adverso". Nós explicámos que o aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e na zona Euro reduzia a possibilidade de grande parte dos países em desenvolvimento, como é o caso de Angola, captar IDE. Ora bem, os últimos dados sobre o IDE não petrolífero, analisados pelo Expansão (edição 715), mostram uma queda de 20,5% (2022 vs 2021) "passando de 248,5 milhões USD para 197,6 milhões".
Dados do BNA referentes à importação por classificação económica, 2022 vs 2021, mostram um aumento na importação de bens de consumo corrente de cerca de 61%, ao passo que a importação de bens de capital apenas aumentou 19% e os bens de consumo intermédio 28%. Se o Executivo, ao invés de promover a importação de bens de consumo corrente, como foi por exemplo o caso da criação da Reserva Estratégica Alimentar, tivesse criado condições capazes para incentivar a importação de bens de capital (e equipamentos) que pudessem depois contribuir para a dinamização do sector produtivo doméstico, os produtores nacionais no actual contexto de um kwanza fraco, e com devidos incentivos (e infraestruturas), poderiam procurar expandir-se para os mercados externos.
Na ausência de capacidade produtiva a nível nacional hoje, um Kwanza mais fraco, mantendo-se altos os custos de contexto, torna muito mais difícil o processo de dinamização do sector produtivo uma vez que é mais oneroso importar bens de capital. Para que a depreciação da moeda contribua para fomentar as exportações, o País precisa antes de tudo ter infraestruturas capazes de atraírem o investimento privado (nacional e estrangeiro) bem como verificar melhorias substanciais no seu ambiente de negócios (por ex., uma justiça célere, atribuição de títulos de propriedade). Um aumento do investimento em sectores chave como a agricultura, indústria transformadora ou até mesmo na exploração de outros recursos minerais considerados estratégicos, ex. o cobre, e tendo os incentivos correctos, é susceptível de fazer com que Angola aumente a sua capacidade produtiva.
Enfim, a evidência empírica mostra que dinamizar as exportações de Angola e, com isso, diversificar as fontes de divisas passa necessariamente pela criação de capacidade de produzir localmente muito do que hoje é importado. Contudo, tal só será possível caso haja alterações substanciais na qualidade das infraestruturas que o País hoje dispõe. Neste cenário, o caso de Angola mostra que uma depreciação do Kwanza apenas contribuiu para deteriorar ainda mais a qualidade de vida dos cidadãos. Logo, não é surpreendente notarmos igualmente um aumento das tensões sociais.