Para quando as perguntas difíceis sobre Covid-19 em Angola?
Acreditamos ser necessário promovermos uma reflexão, tal como acontece hoje em várias latitudes, com vista a melhor compreendermos aquilo que correu bem e mal desde a primeira hora, até aos nossos dias. Vimos recentemente nas redes sociais figuras públicas a perguntar a razão de o governo continuar a exigir a todos passageiros que se deslocam para Angola o teste antígeno, algo que apenas 17 países no mundo ainda exigem. Outros 17 países exigem o teste RT-PCR para passageiros vindos da China, devido aos surtos que ainda vão ocorrendo naquele país asiático.
Há 3 anos, em Março de 2020, o mundo enfrentava uma crise sanitária sem precedentes. Segundos dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS)(1), a pandemia da Covid-19 tem cerca de 761 071 826 casos confirmados e causou cerca de 6 879 677 mortes. Estes dados fazem desta doença a mais mortífera deste século 21. Todavia, em alguns países, como Angola, a malária continuou a ser mais mortífera do que a Covid-19 sem que, contudo, tenha recebido a mesma atenção em termos de recursos (humanos, materiais/financeiros).
Muitas questões precisam ser colocadas e respondidas, por ex., por que razão os países adoptaram o confinamento geral da população, como a principal medida terapêutica não farmacêutica, quando a OMS apenas recomendava o confinamento em caso de doença? No caso de África, como compreender que sendo a sua população maioritariamente jovem, foram adoptadas medidas que faziam sentido nos países mais ricos onde a população é significativamente mais velha? Em Angola, como explicar o facto de o Executivo ter entregado a liderança da gestão da pandemia às forças de defesa e segurança quando, sendo uma crise sanitária, os especialistas ligados às ciências da saúde estariam melhores preparados? Será que a contratação, por parte do Estado, de bens e serviços para combater a pandemia foi transparente? Que medidas foram tomadas para se apurar as denuncias de abuso de poder, peculato, corrupção entre outros crimes? Será que a pandemia permitiu a dinamização do sector produtivo em Angola (tal como acontece na Europa)?
Acreditamos ser necessário promovermos uma reflexão, tal como acontece hoje em várias latitudes, com vista a melhor compreendermos aquilo que correu bem e mal desde a primeira hora, até aos nossos dias. Vimos recentemente nas redes sociais figuras públicas a perguntar a razão de o governo continuar a exigir a todos passageiros que se deslocam para Angola o teste antígeno, algo que apenas 17 países no mundo ainda exigem. Outros 17 países exigem o teste RT-PCR para passageiros vindos da China, devido aos surtos que ainda vão ocorrendo naquele país asiático.
Numa publicação recente intitulada Pandemic Response and the Cost of Lockdowns (Tradução livre "Resposta à Pandemia e o Custo dos Confinamentos"), os autores mostram que os confinamentos, enquanto medida terapêutica não farmacêutica, levaram em muitos casos à destruição de muitos empregos, particularmente em sectores como a hospitalidade (hotéis, restaurantes), e consequentemente empurraram grande parte da população para a pobreza extrema. De facto, em Angola, os dados do INE mostram que no 3.º trimestre de 2020 a taxa de desemprego estava à volta dos 34% (56,4% entre a população jovem dos 15 aos 24 anos) e o sector informal da economia absorvia 58,4% da força de trabalho (74,6% entre a população jovem).
Em Angola existe um silêncio total à volta do impacto negativo que os sucessivos confinamentos tiveram na vida das populações. Hoje é normal vermos pessoas a alimentarem-se nos contentores de lixo, bem como se assiste a uma certa descrença na capacidade de o Executivo mudar o nível de vida da população.
A ascensão dos militares na gestão desta crise mostrou que o processo de pacificação em Angola deixou de lado a desmilitarização dos órgãos do Estado. A militarização da resposta à crise da Covid-19 em Angola levou ao uso abusivo da força letal, minando o processo democrático. Num país onde os contrapesos não funcionam devidamente, facilmente se compreende como a Casa de Segurança do Presidente da República acabou por executar, em representação da Comissão Multissectorial para Prevenção e Combate à Covid- 19, 44 238 milhões (cerca de 47,93% do total das despesas em 2020 que foram 92 226 milhões de Kwanzas). Todavia, em 2021 esta instituição executou apenas 6,1% das despesas, i.e., 8 663 milhões (de um total de 141 276 milhões) (2).
Ao contrário de países africanos. como a Etiópia, Angola continua sem capacidade de produzir testes. O Executivo priorizou a aquisição de equipamentos em sistema "chave na mão", como foi o caso dos 5 laboratórios adquiridos à empresa chinesa BGI, numa despesa de 6 milhões USD. Já o governo etíope facilitou a criação da empresa BGI Health Ethiopia (uma empresa mista entre a BGI e investidores etíopes) que vai passar a produzir naquele país, para além de testes da Covid-19, testes de HIV e tuberculose.
Enfim, tudo indica que este será o século das pandemias, tal como indicou a OMS em 2018, pelo que, compete aos governos assegurarem que os seus países estejam preparados. Claramente que Angola não pode depender de doações ou continuar a desperdiçar recursos importando grande parte do material de biossegurança, testes e ventiladores e especialistas como foi o caso da Covid-19. É preciso tirar lições desta crise e desenvolver-se um plano que, uma vez implementado, possa dotar o País de uma capacidade de resposta muito mais efectiva e sustentável.
(Leia o artigo integral na edição 718 do Expansão, desta sexta-feira, dia 31 de Março de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)