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Opinião

Reforma estrutural não se traduz em transformação da economia, são processos distintos!

MILAGRE OU MIRAGEM?

A actual crise mostrou que contrariamente ao que dizia o discurso político, reforma estrutural não se traduz rapidamente em transformação da estrutura da economia, afinal são processos distintos. Uma lição que para grande parte da população se traduziu numa redução significativa da qualidade de vida.

Não passaram 90 dias desde que, numa cerimónia com pompa e circunstância, a equipa económica apresentou numa unidade hoteleira em Luanda, o Angola Economic Outlook. No evento, a que tivemos o prazer de assistir, foi expresso o facto de que estava alcançada a estabilidade macroeconómica, e que as perspectivas de crescimento para Angola eram bastante positivas. Ora bem, se o que nos foi apresentado correspondia a realidade, por que razão em meados de Julho, o Executivo apresentou um pacote de medidas "emergenciais" para, segundo a página do Facebook do Presidente da República, estimular "um crescimento robusto e consistente (e ao mesmo tempo) proteger as famílias"?

Para compreendermos o que de errado ocorreu, precisamos olhar para o Programa da Estabilidade Macroeconómica, que esteve na base do Acordo de Financiamento Ampliado que o Executivo angolano assinou com o FMI em finais de 2018. Na altura, chamámos a atenção pelo facto de o Executivo estar a levar avante reformas estruturais, i.e., a liberalizar a economia, achando que este processo levaria à transformação da estrutura da economia angolana. Hoje os resultados mostram que estávamos certos quando dissemos que tratava-se de dois processos distintos e que não havia uma relação de causa e efeito. Afinal, enquanto uma reforma estrutural tem a ver com aquelas medidas que visam melhorar o ambiente macro regulatório em que as empresas operam, a transformação estrutural em Angola visa tornar a economia menos dependente das receitas petrolíferas.

Olhando para a história daqueles países que foram capazes de transformar as suas economias, vemos que lá onde isso aconteceu foi através de um aumento de produtividade no sector agrícola e um rápido processo de industrialização (com principal ênfase no surgimento de uma indústria transformadora forte). Existe respaldo na literatura que nos mostra como a taxa de crescimento da produção na indústria transformadora está intimamente ligada à taxa de crescimento económico (cf. Kaldor, 1989) bem como um aumento da produtividade no sector industrial faz crescer a produtividade nos demais sectores (agricultura, comércio, serviços, transportes). A história também mostra que a transformação estrutural de uma economia em desenvolvimento exige a criação de infraestruturas ao serviço da produção e incentivos para investimentos (i.e., oportunidade para o enriquecimento). É necessário que se promova a liberdade económica, para que haja uma sã concorrência entre os potenciais agentes económicos. Disciplina para quem recebe os incentivos e cobrança de resultados e penalizações por parte de quem governa e dá os incentivos, se quisermos evitar os desperdícios que têm caracterizado as várias iniciativas governamentais, até a data.

Por isso, foi com bastante interesse que tomámos contacto com o discurso do Presidente João Lourenço na abertura da Feira dos Municípios, particularmente a exortação que fez aos administradores municipais com vista a captarem investimentos que possam explorar as potencialidades existentes nos seus municípios. Apesar de acharmos o discurso bastante encorajador, notamos que ele peca por ignorar o facto de que grande parte dos municípios em Angola não consegue assegurar para o sector produtivo, o fornecimento regular de utilidades básicas como água e energia eléctrica nem tão pouco dispõe de estradas capazes de ligar as zonas de produção com os centros de consumo. Então, como esperar que os administradores possam captar investimentos para os seus municípios? Num outro texto (cf. Edição 575) indicamos que o Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) poderia servir, enquanto medida contra cíclica, para prover os municípios dessas infraestruturas críticas. Pelo que o sucesso do PIIM precisa também ser medido, para além dos ganhos sociais, pelo número de projectos de investimento no sector produtivo que cada município for capaz de atrair. De outra forma, esse desejo do Titular do Poder Executivo dificilmente poderá se materializado.

Para que Angola tenha um processo, bem-sucedido, de transformação da estrutura da sua economia, vai ser necessário que a governação identifique e priorize aqueles sectores, e dentro destes aqueles segmentos, com potencial de rapidamente gerarem externalidades positivas. Por ex., o Executivo poderia gizar uma política de dinamização dos perímetros irrigados existentes (e promover o surgimento de outros) alinhada com o esforço de (1) reduzir a importação de alimentos, (2) assegurar matéria-prima para a indústria transformadora emergente apostando nos segmentos intensivos em mão-de- -obra, para que se crie empregos especialmente para a juventude.

Enfim, a actual crise mostrou que contrariamente ao que dizia o discurso político, reforma estrutural não se traduz rapidamente em transformação da estrutura da economia, afinal são processos distintos. Uma lição que para grande parte da população se traduziu numa redução significativa da qualidade de vida.

Leia o artigo integral na edição 738 do Expansão, de sexta-feira, dia 18 de Agosto de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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