Olhantes e conversantes
Já reparou em como as relações se transformam tão radical quanto inexplicavelmente conforme o tempo passa, provavelmente logo a partir do primeiro momento em que saímos juntos? Como é que antes ficávamos tão felizes com uma mensagem do nosso amor, e agora lhe mandamos uns gritos furiosos a perguntar onde está, com quem está e o que está a fazer?
Estas são duas palavras que conheci muito recentemente. Já tinha ouvido falar de amantes, ficantes, pagantes, mas nunca tinha ouvido falar de olhantes e conversantes. E adorei!
As palavras já dizem tudo: olhantes são aquelas pessoas com as quais trocamos olhares sempre que possível, e conversantes são aquelas com quem estamos sempre a conversar, principalmente no WhatsApp. E, claro, há um forte cariz romântico nestes olhares e conversas. Não há toque físico, mas há uma aproximação absoluta, aflita, urgente, que absorve e que é capaz de parar o tempo. As conversas transformam-se, por vezes, em extensão dos olhares. Trocamos olhares através das mensagens de WhatsApp, rimos dos stickers, interpretamos os emojis, contamos o número de corações, tentamos adivinhar. Muitas vezes, um olhante é só um olhante. E um conversante é só um conversante. Não é preciso ir além disso. Isso, afinal, pode ser tudo o que é necessário para nos sentirmos vivos e apaixonados.
Como podemos amar alguém com quem trocamos apenas olhares? Olhamos e há um momento, um clique, um ponto de cruzamento dos olhares que se torna quase um toque físico e em que o coração parece querer parar. E procuramos esse olhar durante todo aquele jantar, durante aquela festa, durante aquelas férias, quando subimos juntos, por coincidência, no elevador... Amamos o nosso olhante sem saber que o amamos, numa mistura de exultação silenciosa e angústia contida.
Explica-nos o poeta Alberto Caeiro: "Quem ama nunca sabe o que ama/ Nem sabe porque ama, nem o que é amar...// Amar é a eterna inocência,/ E a única inocência é não pensar..." (do poema "O guardador de rebanhos").
Quando pensamos, acordamos. Perguntamo-nos: "Onde é que estava com a cabeça?"; "Não sei o que vi nessa pessoa!"; "Se tenho hospedagem ou família em Benguela? Nada... Só fui... Estava maluco!"; "Não percebo como fiz isso: vender o carro e comprar um bilhete de avião para a Austrália? A sério?".
Já reparou em como as relações se transformam tão radical quanto inexplicavelmente conforme o tempo passa, provavelmente logo a partir do primeiro momento em que saímos juntos? Como é que antes ficávamos tão felizes com uma mensagem do nosso amor, e agora lhe mandamos uns gritos furiosos a perguntar onde está, com quem está e o que está a fazer? Como é que ouvíamos uma música romântica e imediatamente a reencaminhávamos para o nosso amor, escrevendo "Fez- -me pensar em ti!", e agora ficamos no telemóvel, ao jantar, a tentar não nos irritarmos enquanto ouvimos o outro a mastigar? O que aconteceu?
Osho explica que o amor vem do coração e do sentir. Amar é usar a intuição e não a lógica. Amar é abarcar o outro com o olhar e deixar-se encantar, surpreender, mergulhar no mistério. Quando começamos a acumular conhecimento consciente do outro: o amor desaparece, porque já não é sentido, mas sim pensado, racionalizado. "Quanto mais souber, maior será a distância" - afirma Osho.
Diz-nos Osho, em "Intuição - conhecer para além da lógica" (2013): "A vida é do coração. A vida só pode crescer através do coração. É no solo do coração que cresce o amor, que cresce a vida, que cresce a piedade. Tudo o que é belo, tudo o que é verdadeiramente valioso, tudo o que faz sentido, que é significativo, tem origem no coração. O coração é o seu centro, a cabeça é apenas a periferia. (...) Cabe-lhe a si decidir. Lembre-se: a cabeça como escravo é um bom escravo, é de grande utilidade, mas como senhor é perigosa e envenenará toda a sua vida. Olhe à sua volta!
Leia o artigo integral na edição 799 do Expansão, de sexta-feira, dia 25 de Outubro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)