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Sabe, doutora, o meu pai era militar...

EM ANÁLISE

Não sei quantas vezes ouvi em consultório "Sabe, doutora, o meu pai era (ou é) militar..." da parte dos meus pacientes, numa tentativa de explicarem porque é que são tão exigentes consigo mesmos, porque é que têm tanto medo de falhar, ou porque é que têm sempre a sensação de não serem bons o suficiente, quer em casa, quer no trabalho.

"O cansaço e a fome provocam vertigens. Observa a mata à sua direita enquanto caminha e nada nota de suspeito. Começa a flectir para aí, tentando retomar a respiração. E quando está a 100 metros da orla, lança-se de novo na corrida. O ritmo dos passos não o deixa ter medo, mas imagina o som do primeiro tiro. Continua a correr ou placa? O melhor é correr, arriscar, eles vão atirar para o ar. Alcança as árvores e nada se passa. Sempre a marchar, olha à sua volta, admirado. Depois solta uma gargalhada nervosa, entrecortada de soluços. A mata está vazia de homens. Deita-se contra uma árvore e fica nessa posição até que o sol desaparece e o frio se assenhoreia, sorrateiramente, da noite. As vertigens não passam, a fome torna-se insuportável. Tenta guardar a água para quando se deitar. Vai andar o máximo esta noite. Com o frio, também não poderia dormir. Esperará que o Cruzeiro do Sul se levante bem acima das copas das árvores, para o guiar. Agora é que era bom andar na chana, a orientação era fácil. Mas infelizmente está na floresta. Tudo sempre ao contrário. É como esta maldita guerra. Quando uma pessoa está a contar com o inimigo e faz um bom plano de defesa, ele não aparece. E cai-nos em cima quando menos o esperamos. Maldita guerra!" - em A Geração da Utopia, de Pepetela (1992).

Muitos, em Angola, tiveram pais militares, que lutaram na guerra. Alguns pais morreram na guerra e transformaram-se em heróis, nas memórias ou fantasias dos seus filhos; outros desapareceram, e tornaram-se incógnitas dolorosas ("Será que morreu?", "Será que nos abandonou?"); outros tiveram muitas famílias, muitas mulheres e muitos filhos, e a imagem do pai está, muitas vezes, relacionada com o sofrimento pressentido na mãe. E outros pais regressaram da guerra para as suas famílias. Vamos falar de alguns destes últimos, e dos seus filhos.

Como se regressa da guerra?

Não se regressa bem. Não só por causa dos horrores vividos e dos terrores sentidos e sofridos, mas pelo que, nesse tempo, não se aprendeu, ou se perdeu: a paz, os afectos, os relacionamentos familiares.

Muitos militares regressaram a suas casas e tornaram-se pais maravilhosos, excelentes pessoas, preocupados com o bem- -estar da família, satisfeitos com o fim da guerra e a possibilidade de construírem uma vida ao lado dos seus. Excelente!

Entretanto, é possível que muitos homens regressados da guerra estivessem a sofrer (ou estejam a sofrer ainda) de Perturbação de Stresse Pós-Traumático (PSPT), devido à exposição à violência e à morte, vivenciando e testemunhando, de forma repetida, eventos traumáticos, ocorridos, muitas vezes, com pessoas próximas. O Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, na sua quinta edição (DSM-V, 2014), permite perceber que os militares com PSPT eram (ou são), muitas vezes, assolados por lembranças intrusivas angustiantes, recorrentes e involuntárias, da guerra; pesadelos recorrentes, relacionados com os episódios vividos na guerra; reacções dissociativas (por exemplo, flashbacks), nas quais o indivíduo sente ou age como se o evento traumático estivesse a ocorrer novamente; sofrimento psicológico intenso ou prolongado, assim como reacções fisiológicas intensas, ante a exposição a sinais internos ou externos que simbolizem ou se assemelhem à guerra; tentando evitar recordações, pensamentos ou sentimentos dolorosos sobre o que aconteceu.

Leia o artigo integral na edição 775 do Expansão, de sexta-feira, dia 10 de Maio de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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