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Angola

O impacto do fim da subsidiação dos combustíveis que vai começar este ano

Será anunciado ainda no I trimestre do ano

O processo do fim da subsidiação dos combustíveis deverá ser gradual e começará durante este ano. Estará a economia e a sociedade angolana preparada para ter os combustíveis a preços dos mercados internacionais? 16 personalidades convidadas pelo Expansão respondem a esta questão.

Angola comprometeu-se com o FMI e com o Banco Mundial a acabar com os subsídios aos combustíveis, num processo gradual que deverá ter início em 2023. O País está preparado para o fim da subsidiação?

BELARMINO JELEMBI

Especialista em desenvolvimento local

Não conheço o compromisso que refere, que terá sido assumido com estas instituições internacionais, portanto não posso utilizar esta base. Todavia, qualquer processo desta natureza terá sempre de ser gradual e diferenciado, tendo em conta cada combustível e os diferentes sectores da vida. É verdade que não é tema novo, nem é a primeira vez que se discute o facto de os subsídios aos combustíveis acabarem beneficiando em grande medida certos segmentos da sociedade com outras possibilidades. Entretanto, a sensibilidade do assunto, num contexto em que o País realiza outras reformas, exige estratégia de comunicação assertiva e, sobretudo, um processo de negociação com os vários sectores da sociedade. A clarificação sobre as implicações, nos dias de hoje, para as finanças públicas, bem como as medidas de mitigação de eventuais impactos, sobretudo nos preços de bens essenciais das populações das periferias das grandes cidades, é essencial. Isto é importante, uma vez que, potencialmente, os principais impactos podem incidir à volta das grandes cidades e há que acautelar que as medidas não sejam factor de perturbação social.

CARLOS LUMBO

Economista

Pelo que tenho estado a ver há já muitos anos, e a julgar pelos sucessivos adiamentos que já foram feitos, Angola nunca estará preparada para a supressão dos subsídios aos combustíveis e à energia. Qualquer que venha a ser o momento escolhido para o início do processo, haverá sempre a sensação de que tal não terá sido o momento certo. Do meu ponto de vista, o momento ideal seria ao início de uma fase de diminuição da inflação, como foi o 1.° semestre de 2022. Nessa altura, a taxa de inflação em queda e a redução da taxa do IVA de 14% para 7% funcionariam certamente como importantes factores compensatórios. Perdemos essa oportunidade. Contudo, não devemos continuar a adiar frequentemente a supressão dos subsídios. Se tiver de ser em 2023, que seja, mas com muita sensibilização e pedagogia, de forma gradual e com medidas compensatórias que atenuem a "dor".

EVA ROSA SANTOS

Gestora de recursos humanos

Para o fim total da subsidiação não, mas temos de iniciar esse processo e de forma gradual acompanhá-lo com medidas de forma a apoiar a população de rendimentos mais baixos. Esta franja da população não consegue aguentar mais uma escalada de preços, que irá acontecer automaticamente quando a subsidiação começar a diminuir. É preciso acautelar esta mudança com medidas estratégicas que podem passar pela criação de redes de transportes públicos mais robustas e que cobram todo o País, melhores condições no acesso a água potável e energia, à educação, na saúde e eventual aumento de salários, medidas que permitam a médio e longo-prazo trazer melhor qualidade de vida à população. Senão poderá ser, de facto, um processo complexo e difícil para todos aceitarem, sem uma estratégia de comunicação clara sobre as acções que for possível realizar.

FERNANDES WANDA

Docente e investigador da UAN

Se em 2023 o preço do barril de petróleo se mantiver em alta e caso a primeira fase da refinaria de Cabinda arranque, o Executivo poderá investir parte da receita para dinamizar o sector produtivo, através da criação de condições para que se reduza o custo de produção em Angola. Isso passa por fazer chegar às zonas de produção (perímetros irrigados, pólos industriais e não só) infraestruturas, como água e energia eléctrica, dotar essas zonas de saneamento básico e estradas que possam ligá-las às áreas de consumo e exportação. Fazendo isso, acreditamos que será possível, gradualmente, retirar os subsídios aos combustíveis sem grande impacto na qualidade de vida dos cidadãos.

FERNANDO PACHECO

Engenheiro agrónomo

Os subsídios aos combustíveis custam ao erário público cerca de 2,8 mil milhões USD por ano e o seu pagamento à Sonangol enferma de opacidade e de irregularidades com efeitos gravosos na dívida pública. O seu fim será uma dificuldade acrescida que a economia e o Executivo terão de enfrentar. Por razões políticas e essencialmente eleitoralistas os combustíveis não conhecem qualquer alteração de preço desde 2016. Com a credibilidade no seu mais baixo nível desde o fim da guerra, o Executivo tem muito receio das consequências sociais, políticas e económicas de uma subida de preços - com reflexos imediatos no valor da inflação. Ao mesmo tempo, do ponto de vista macroeconómico é impensável manter os preços actuais e suportar os subsídios. Um dilema difícil de enfrentar.

GALVÃO BRANCO

Consultor

É insustentável a manutenção do subsídio aos combustíveis e os seus gravosos impactos na consolidação orçamental. Entretanto, nas actuais condições políticas e sociais, onde prevalecem acentuadas desigualdades na distribuição dos rendimentos e um considerável déficit de conhecimentos ao nível da população, poderão ocorrer atitudes que atentem contra a estabilidade e perturbem a ordem estabelecida, pelo que entendo que devem ser suficientemente ponderados os factores sociais que lhe são correlatos e agir em conformidade com as consequências, sobretudo de natureza social.

HEITOR CARVALHO

Economista e Investigador

Nunca se está preparado para pagar mais, mas não há alternativa. Ao subsidiar os combustíveis estamos a aumentar artificialmente o consumo de uma coisa que deveria ser mais cara. Todos os subsídios e apoios do Estado devem ser direccionados aos que mais precisam e não a todos, porque, ao apoiar os mais ricos, sobra menos para os mais pobres. Contudo, retirar, mesmo que de forma faseada, os subsídios à actividade económica (transportes de pessoas e bens, geração de electricidade com geradores, gasóleo agrícola e das pescas, etc), pode criar um choque grave à produção e uma das coisas mais importantes da actividade dos Estados deve ser, justamente, evitar os choques. Já devíamos ter começado há muito tempo. Deve caminhar-se com cuidado, mas temo que, com esta demora, já não seja possível evitar completamente mais um choque.

JOSÉ CARLOS BETTENCOURT

Engenheiro agrónomo

Esta é uma medida que poderá não agradar a muitos, mas é necessária. O subsídio aos combustíveis neste momento é transversal a toda sociedade, independentemente da importância da actividade para o desenvolvimento económico, na criação de riqueza. Qualquer um beneficia deste subsídio, seja indústria, agricultura, comércio, transporte ou até passear de carro de alta cilindrada pela cidade de Luanda. Segundo o IGAPE, no seu relatório, Angola gastou 1,2 biliões kz, o equivalente a 2,2 mil milhões USD, para cobrir as despesas com os subsídios aos combustíveis em 2021. Segundo esse relatório, no ano passado, o Estado gastou 645 mil milhões Kz a subsidiar o gasóleo, o que segundo o Expansão, dá quase 1.140 milhões USD. Com a gasolina foram gastos 358 mil milhões Kz que são 638 milhões USD. O restante foi gasto com subsídios ao gás (LPG) e petróleo iluminante. Quer isto dizer, a título de exemplo, os milhares de carros que circulam na cidade de Luanda deveriam, em média, durante o ano ter pago cerca de 356 Kz por litro de gasolina e somente pagaram 160 Kz. Parece-me não ser justo esse valor, 196,00 Kz (55%), poderia perfeitamente ser utilizado para inves[1]tir na agricultura, na aquisição de fertilizantes, ou na reparação de estradas. Com o gasóleo acontece precisamente o mesmo, o preço por litro rondou os 388 Kz e cada automobilista pagou somente 135 Kz, cabendo ao Estado assumir os 253 Kz (65,3%) por litro. São muitos biliões Kz desperdiçados que poderiam ser muito melhor utilizados, como por exemplo melhorar a remuneração dos funcionários públicos. Devendo o Estado somente garantir o subsídio aos combustíveis em uso na agricultura, pescas e indústria alimentar. O subsídio aos combustíveis é o mecanismo através do qual o Estado financia o consumo do combustível com o intuito de incentivar e dinamizar a actividade produtiva de um determinado sector, o que não acontece hoje. O objectivo operacional do subsídio é o de garantir a redução dos encargos produtivos para permitir, redução de custos de produção, maior competitividade, maior flexibilidade nos preços, permitir o acesso aos bens e aumentar a reserva alimentar interna.

MARCOS SOUTO

Representante do FMI em Angola

Penso que o governo angolano tem demonstrado um compromisso grande com políticas que levem a um crescimento económico sustentável e inclusivo. E isso é muito mais importante do que qualquer compromisso que possa eventualmente existir com qualquer instituição financeira internacional. Dito isto, quero salientar que concordamos com a intenção do governo em desvencilhar-se dos subsídios aos combustíveis, porque é um subsídio que acaba por beneficiar pessoas que têm condições de pagar mais pelos combustíveis. O custo deste subsídio é elevado. Em 2021 e 2022, Angola gastou mais de 2 mil milhões USD por ano, com esses subsídios. Esses recursos poderiam ser alocados em outras áreas que efetivamente melhorem as condições de vida dos cidadãos angolanos, como saúde e educação, e que ajudem a criar mais empregos e mais crescimento económico. Agora, é muito importante que exista uma estratégia para se proteger o segmento mais vulnerável da população angolana contra os potenciais efeitos negativos da remoção dos combustíveis, assim também como minimizar os efeitos sobre a inflação.

MATEUS MAQUIADI

Economista

Angola nunca esteve preparada para fazer nada até fazer. Não estávamos preparados para a flexibilização cambial, a aplicação do IVA, etc., mas fizemos. Como as refinarias ainda estão a funcionar a meio gás, remover já os preços dos subsídios seria um sacrifício desnecessário para a população que já se encontra em condições bastante desfavoráveis, depois o compromisso de 11% em termos de inflação nunca será atingido. Se for realmente para fazer economia para as pessoas, convém que os subsídios aos preços dos combustíveis sejam removidos quando o país realmente estiver preparado, de maneira a suavizar o impacto na economia. Sinceramente, não faz sentido sacrificar os pobres com o argumento de que o V8 está a ser subvencionando por pagar combustível mais barato.

NAIOLE COHEN

Economista

Esta batata quente há anos que persegue a equipa económica e há anos que nunca é o melhor ano para acabar com os subsídios aos combustíveis. A opção pelo gradualismo é a mais ajustada. No entanto, é preciso fazer contas e boas contas; sobretudo quando no resto do mundo a prioridade da política fiscal é a proteção de grupos vulneráveis por meio de apoio para aliviar o fardo da crise (Covid-19, desvalorizações) do custo de vida e da inflação. Qual será o ponto de equilíbrio do ajustamento dos subsídios? A resposta será no ponto em que as famílias angolanas (elemento fundamental para o crescimento económico) não fiquem ainda mais pobres e que as empresas não fechem as portas, pois há sectores (telecomunicações e agricultura) que ainda têm uma forte estrutura de custos assente no combustível.

NOELMA VIEGAS D"ABREU

PCA da Fundação BAI

O País precisa de conviver com essa realidade, desde que sejam realizados vários outros cálculos e se desenhe uma estratégia de subsídios a determinados sectores, nomeadamente aos transportes públicos, pesca, indústria dependente de geradores, por exemplo. Para que não se gere um efeito adverso, tem de haver uma estratégia muito bem concertada e articulada com todos os sectores que possam ser afectados. No geral, o subsídio aos combustíveis beneficia todos, ao ser retirado terá um impacto diferente sobre aqueles que podem pagar o preço justo, preço do custo real, por exemplo, quem utiliza o seu barco de recreio para lazer e quem utiliza o mesmo bem para produção ou para transporte publico, logo é sobre estes que deve haver uma atenção especial e serem criados mecanismos que permitam minimizar o impacto do custo ao consumidor final. Pois, quem precisa de combustíveis para os transportes públicos, para o candongueiro, para o barco de pesca, para o trator, não pode sentir um aumento de tal magnitude que a decisão se revele como mais um elemento de diminuição da qualidade de vida e ser mais um sacrifício na vida dos cidadãos mais carenciados. Esta decisão não deve ter um impacto negativo sobre as necessidades primárias dos cidadãos, embora seja importante tomá-la, pois qualquer produto no mercado deve ter o seu preço justo, caso contrário, não se consegue a sustentabilidade desejada.

RUI SANTOS

Empresário

Aqui é mais complexo. Se por um lado, o preço do combustível tem de ser actualizado, por outro lado, a média salarial dos angolanos continua baixa. Por outro lado, nas, hoje, cidades tipo Luanda, já ninguém se consegue movimentar, trabalhar e fazer a sua vida sem depender de transportes que utilizam combustível. Penso que é algo difícil de decidir. Para mim, o que fazia sentido era actualizar o preço dos combustíveis em duodécimos por um período de 4 anos... Desta forma, dava tempo à economia para se "ajustar" de forma progressiva... Se é difícil mexer nos contadores das bombas do combustível todos os meses, que seja estudada qual a forma de fazer essa alteração da maneira mais rápida e organizar essa correcção com base nesse período.

SÉRGIO CALUNDUNGO

Coordenador do OPSA

Por mais que seja difícil, temos de compreender que pôr fim ou diminuir os níveis de subsídios aos combustíveis não é uma escolha e sim um imperativo... Logicamente que teria sido mais fácil se esta medida tivesse sido tomada há muitos anos. Hoje será mais difícil, porém é uma medida necessária. Não sei dizer até que ponto o País, ou melhor dizendo a sociedade, está preparada para encarar este desafio, mas penso que o Executivo terá forçosamente de avançar, provavelmente, de forma gradual. O ideal é que tivesse em atenção os sectores mais vulneráveis da sociedade e, por isso, encontrasse mecanismos adequados de compensação para aliviar o impacto sobre as pessoas mais pobres. Para mim, estar preparado significa ter uma ideia clara de quem são as diferentes partes afectadas, quem são os grupos populacionais interessados e saber previamente comunicar e negociar com estes, ter uma ideia clara dos riscos inerentes a esta medida e ter propostas adequadas de mitigação do seu impacto. Para mim, estar preparado é também isto.

WILSON CHIMOCO

Economista

Não, não está. Porque ainda não foram criadas as condições para o levantamento dos subsídios. As famílias mais vulneráveis tiram benefícios dos subsídios aos combustíveis, indirectamente, através da corrida do transporte mais acessível, com a produção de energia com fonte de geradores e na obtenção de rendimento com a venda informal dos mesmos. E o que é facto é que o sistema de transporte público ainda é pouco funcional; o nível de eletrificação do país está abaixo dos 50%, a capacidade de geração de emprego ainda é muito baixa, logo, as pessoas podem ser muito penalizadas se a remoção não for bem equacionada. Pois, e é o que me parece, a razão maior que tem sido apresentada para o levantamento é mais do contrabando que se tem assistido nas fronteiras do País, logo uma questão criminal e exclusivamente da ineficiência dos subsídios, tema económico. Logo, se o tema é do foro criminal, deve ser resolvido com mais controlo e policiamento das fronteiras e não, necessariamente, com a remoção dos subsídios, pura e dura. Por outro lado, a estabilidade dos preços ainda é um tema muito frágil em Angola. A inflação, com todos os seus efeitos sobre o poder de compra e o progresso da economia, mantém- -se elevada. E os subsídios aos combustíveis jogam um importante papel para a estabilidade dos preços. Nestes termos, tirar os subsídios, com os actuais constrangimentos estruturais e as incertezas da conjuntura internacional, parece-me pouco oportuno.

YURI QUIXINA

Economista

Eu sou dos que defendem que se prepara preparando, faz-se fazendo, caminha-se caminhado. Há mais de quatro décadas que a economia vive com os preços e salários desajustados, o que colocou em causa a produtividade e o desenvolvimento da economia. Independentemente do sacrífico, é importante fazer a economia viver a sua verdadeira vida, temos de parar de drogá-la, chegou a hora de desintoxicá-la e já estamos atrasados.

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