Juros dos depósitos muito abaixo da inflação desencorajam poupanças das famílias
Rendimentos baixos e preços altos, falta de produtos de poupança e taxas de retorno negativas penalizam a poupança dos angolanos. O cenário é ainda agravado pela fraca cultura de poupança por parte da população, já que as famílias ainda preferem guardar dinheiro em casa ou recorrer à "kixikila" como alternativa de poupança e crédito. Economistas apontam um ano difícil e sem espaço para poupança.
Em Angola só há praticamente dois produtos de poupança disponíveis, a dívida titulada e os depósitos a prazo, cujas taxas de juro reais, descontada a inflação, são negativas, tendo em conta que os preços no ano passado subiram mais do que 20%. Juros baixos, alta inflação e continua perda de poder de compra constituem um cocktail que desmotiva a poupança e que atira as famílias muitas vezes para negócios informais ou para bancos fora do país.
No final de 2023, para um depósito a prazo de 90 dias, em média, os bancos comerciais remuneravam apenas 8%, enquanto até 180 dias a taxa era de 9% e, para os depósitos a mais de 1 ano, a taxa situava-se em 5%, de acordo com as estatísticas do Banco Nacional de Angola (BNA). Estas taxas são mais baixas do que as praticadas em 2022, quando a taxa de inflação ficou muito próximo dos 14% (ver gráficos).
Por outro lado, as taxas de remuneração das aplicações em dívida titulada chegam a ser mais do dobro daquela a que os bancos "pagam" pelos depósitos a prazo dos seus clientes, o que acaba por fazer com que o Estado rivalize e supere a banca na captura das poupanças das famílias angolanas.
A poupança é a diferença entre o rendimento e o consumo de bens e serviços finais. Em termos práticos, a poupança é a parte do rendimento que não é gasta. Só que em países em desenvolvimento com baixos salários e preços altos, como é o caso de Angola, a maior parte do rendimento é gasta em consumo.
Para o economista-chefe da consultora britânica Eaglestone, Tiago Dionísio, neste cenário de queda do poder de compra, com inflação em alta, é muito difícil poupar. E os que o conseguem fazer acabam por não ter motivação por remunerações abaixo da taxa de inflação, em que faz com que na prática, quando a aplicação atinge a maturidade, o dinheiro já tenha perdido muito do seu valor. "Quando as taxas de juro reais são negativas, não existe incentivo à poupança na medida que consumir hoje compensa mais do que poupar para consumir no futuro", admite ao Expansão.
O economista Mateus Maquiadi também entende que as taxas de juros reais negativas desencorajam as poupanças das famílias e das empresas, ao argumentar que "o dinheiro tem valor temporal e parte desse valor é corroído por causa da inflação. Nesse caso, investir em um ambiente de taxas de juros negativas normalmente não compensa e influencia negativamente a poupança dos agentes económicos".
É por isso que em Angola, onde 80% dos empregos são informais, e onde a bancarização está abaixo dos 40%, muitas das famílias acabam por fugir aos meios tradicionais de poupança. Muitos desconfiam dos bancos e optam por fazer poupanças em moeda estrangeira, guardando o dinheiro em casa, enquanto outros recorrem à "kixikila", como é conhecida popularmente uma prática antiga mas ainda muito comum, que consiste em juntar um grupo de amigos, familiares, vizinhos, colegas de trabalho ou simplesmente conhecidos, com todos os integrantes a descontar mensalmente a mesma quantia para o bolo total, que entregam a um responsável, que depois reparte pelos integrantes do grupo, um em cada mês, repetindo o processo até que todos tenham recebido a sua quota. Este processo é usado como alternativa de poupança e crédito de muitas famílias angolanas.
E há ainda outras famílias, normalmente de classe média e acima disso, que optam por colocar as suas poupanças em bancos no estrangeiro, já que aí, não correm o risco de uma desvalorização abrupta da moeda e, por sua vez, da sua poupança.
Pagam pouco pelos depósitos e cobram alto pelo crédito
Mas se por um lado os bancos remuneram em baixa os depósitos a clientes (parecendo não estar muito interessada em captar depósitos a prazo), por outro taxam em alta os créditos que concedem, com taxas de juro ainda assim abaixo da inflação, mas por vezes duas vezes superior ao que remuneram em depósitos a prazo. O que para o economista Alberto Vunge acontece por causa do risco de crédito e o impacto que este tem nos balanços da banca. "Se olharmos para as componentes de formação da taxa juro praticada pelos bancos, notamos que o risco de crédito é muito alto. Tão alto que não deixa espaço para aumentarmos a importância do custo dos fundos captados, que é dado pela taxa de juro paga pelos bancos às famílias pelas poupanças captadas. Uma melhoria nesta taxa de remuneração das poupanças das famílias empurraria a taxa de concessão de crédito dos bancos para níveis proibitivos e que colocariam em risco a qualidade dos balanços dos próprios bancos", justifica. Assim, entende que a inflação é um risco que os bancos e as famílias partilham, mas o risco de crédito, que apenas o banqueiro suporta, pesa muito nas decisões de investimentos no sector.
Leia o artigo integral na edição 761 do Expansão, de sexta-feira, dia 02 de Fevereiro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)