"A boa relação faz-se com reciprocidade. Não saia só para vender. Saia também para comprar"
O governante brasileiro passou por Luanda, no início do mês, para uma visita oficial onde veio tratar de uma nova aproximação comercial entre os dois países. Na agenda de cooperação no sector agropecuário estão também outras iniciativas ambiciosas que ainda precisam de sair do papel.
A proximidade histórica entre Angola e o Brasil não tem sido devidamente aproveitada na vertente política. Mas as semelhanças ultrapassam o passado ou a língua comum e podem ser estendidas até ao clima, por exemplo, realidade que tem impacto directo na actividade agropecuária. Como é que Angola é vista hoje em dia no sector agropecuário do Brasil? E qual é a imagem de Angola ao nível do governo e também do empresariado brasileiro em geral?
Eu tenho uma frase de um amigo, que hoje está como secretário especial no Ministério da Agricultura, que fez uma estadia recente em Angola, precursora desta nossa visita. Há alguns meses, ele veio aqui conhecer o arranjo produtivo e as oportunidades que existem. E a frase dele define tudo. Ele também saiu de um outro estado (do Rio Grande do Sul), como eu saí do Paraná, e também foi para o Mato Grosso, onde hoje é um grande produtor de sementes, muito bem sucedido. E a frase dele, quando voltou para o Brasil, foi esta: "Eu queria ter 25 anos de idade para fazer tudo o que fiz em Mato Grosso e ir fazer lá em Angola também".
Às vezes fica a sensação que, ao nível da política, da grande política, fala-se muito em projectos, prometem-se algumas coisas, mas depois a realidade no terreno, no mundo real, é bastante menos empolgante. Qual é a melhor forma para fazer essa transição entre a ideia inicial, a realidade e uma cooperação entre países que esteja realmente ao serviço dos cidadãos?
Em primeiro lugar, com o regresso do Presidente Lula ao comando do nosso país, e com muita determinação pessoal, foi iniciado um trabalho de restabelecimento de boas relações diplomáticas e de boas relações de amizade com vários países. O Brasil não tem contencioso com nenhum país do mundo. Mas a gente compreende e até admite que tivemos alguns anos de uma diplomacia menos afinada. O Presidente Lula vem fazendo isso com muita determinação. E um dos objectivos é ampliar essas relações, em especial aqui com Angola.
Quais foram as orientações do Presidente Lula sobre a cooperação com Angola?
Ele pediu, por exemplo, pessoalmente, para que a gente organizasse essas missões, para que a gente trabalhasse e trouxesse mais empresários com as suas experiências e também para fazer negócio, cooperação. A Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, que é a nossa empresa pública de pesquisa agropecuária, é, sem sombra de dúvida, a mais importante empresa de pesquisa agropecuária tropical do mundo. E essa similaridade de clima, de terra, de pessoas em Angola, é muito propícia para a Embrapa também trazer a transferência de tecnologia. Os empresários que vieram connosco nesta missão estão dispostos também a implementar as suas técnicas de produção e mostrar como se faz uma integração, por exemplo, de frango, de suíno, a transformação de proteína vegetal em proteína animal, como tratar a sanidade, como conduzir essa criação. É muito importante transferir também essa tecnologia.
Angola está nessa luta, entre aspas, de deixar de ser um grande importador, sobretudo de alimentos básicos. Falou da produção de frango e de outros produtos e Angola pretende também desenvolver esses segmentos. É nessa vertente que o empresariado brasileiro pode surgir com novos investimentos em Angola?
Sem sombra de dúvida. Porque as oportunidades vão acontecendo reciprocamente. O Presidente Lula sempre me recomendou isso. Nesses quase dois anos - estamos a completar dois anos de governo agora -, nós abrimos quase 300 novos mercados para os produtos da agropecuária brasileira. 62 destes mercados são de países onde não tínhamos relações comerciais. É mais uma determinação do Presidente: a boa relação comercial se faz com reciprocidade. Não saia só para vender. Saia também para comprar, para cooperar, para transferir tecnologia. Todo o mundo é bem-vindo quando as coisas funcionam. E é por isso que nós estamos aqui também, para voltar a ter um fluxo comercial maior do que temos hoje. Já tivemos um fluxo comercial com Angola na ordem de 2,4 mil milhões USD por ano. E hoje é 1,4 mil milhões, ainda muito favorável a Angola por conta das exportações de petróleo. Mas o fluxo pode ser muito maior. O Brasil tem interesse, por exemplo, em comprar fertilizantes nitrogenados. E está a ser construída uma fábrica de fertilizantes em Angola.
Que é um componente essencial e hoje adquiriu uma importância estratégica devido à guerra entre a Ucrânia e Rússia, que são dois grandes produtores de fertilizantes.
Exactamente, os fertilizantes são fundamentais para produzir alimentos. E numa boa parceria com Angola, a gente pode transferir tecnologia, pode vender algum produto - e também podemos comprar fertilizantes. Foi esse o objectivo da nossa reunião e da nossa estadia em Angola. Os empresários também estão à procura dessas oportunidades recíprocas. Para comprar e para vender.
Quando estiveram em Angola no início do mês de Dezembro vieram com cerca de 30 empresários. Que tipo de empresas estiveram em Angola, em que sectores actuam e que tipo de oportunidades procuram? Ou os investidores vieram apenas conhecer e sondar o mercado angolano?
Além da parte governamental, foram também representantes da APEX - Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, que é a nossa agência de promoção dos produtos brasileiros, e do Banco do Brasil, o maior banco público do nosso país, que foi com o objectivo também de fomentar as relações comerciais entre Brasil e Angola. A Embrapa, como já disse, olha para Angola na vertente de transferência de tecnologia. Depois tivemos empresários das áreas das proteínas animais, de produção de grãos, compradores de insumos, que já compram aqui em Angola, e também brasileiros que querem vender oportunidades. Tivemos empresários das mais diversas áreas, mas principalmente de negócios voltados para a agropecuária.
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