A nova Lei Geral do Trabalho: flexibilidade vs. estabilidade do emprego
A nova Lei Geral do Trabalho (NLGT), Lei 7/15, de 15 de Julho, entra em vigor no próximo dia 13 de Setembro. Antes mesmo da sua entrada em vigor, importa, desde já, vincar a minha opinião sobre um aspecto particular da mesma.
Um dos propósitos que orientaram a sua aprovação foi a "necessidade imperiosa de adequar as normas que regulam a relação de trabalho à nova realidade económica e empresarial do País", pois o desenvolvimento do empresariado nacional e a atracção de investimento estrangeiro não são compatíveis com um regime laboral excessivamente oneroso.
Nota-se assim, na NLGT, uma perspectiva de flexibilização do regime laboral, orientada por uma tendencial desoneração dos empregadores e pela simplificação dos processos de contratação. As mais recentes concepções sobre formulação de políticas regulatórias para o mercado de trabalho, indicam que qualquer opção legislativa nesse campo deve atender não só as exigências de flexibilização, mas também, à necessidade de se conferir segurança e estabilidade aos trabalhadores.
Assim sendo, flexibilização e segurança são duas faces da mesma moeda e, por isso, indissociáveis de qualquer regulação equilibrada do mercado de trabalho. Tanto é assim, que a literatura dos países anglófonos cunhou a expressão flexicurity (uma derivação de flexibility + security) para expressar o necessário equilíbrio que deve existir entre flexibilização do mercado de trabalho e segurança no emprego.
Flexibilidade e segurança são conceitos que, nesse contexto, representam interesses diversos, cuja compatibilização é virtualmente impossível pois, se, por um lado, os empregadores procuram um afrouxamento das regras de organização e regulação do trabalho, os trabalhadores, por outro lado, querem cada vez mais garantias contra a precariedade das relações laborais.
A opção por maior ou menor flexibilidade geralmente é influenciada pelo próprio mercado, de modo que, num cenário de recessão económica, em que é necessário fomentar a criação de empregos, podem ser adoptadas medidas de relaxamento da regulação laboral para facilitar a mobilidade da força de trabalho, mas mesmo nessas situações os apelos à segurança do emprego são também maiores, por razões de manutenção da paz e coesão sociais. Todavia, como o legislador não é imune à pressão dos grupos de interesses, a opção por uma maior flexibilização da organização do trabalho pode também ser atribuída a uma vitória do lobbying dos empregadores.
Por conseguinte, a questão que colocamos é a de saber se o nosso legislador no seu esforço de flexibilizar o regime laboral na NLGT, consagrou em níveis equilibrados a necessária segurança do emprego. Na nossa opinião, não! E suportamos esse posicionamento nos seguintes argumentos: Primo, pelo facto de a NLGT consagrar um "pseudoprincípio" da consensualidade na escolha da modalidade do contrato de trabalho (artigo 16.º da NLGT) e, em consequência, ter sido eliminada a lista taxativa de situações em que o empregador pode recorrer ao contrato por tempo determinado (correspondente ao número 1 do actual artigo 15.º da LGT ainda em vigor).
Entendemos que o contrato de trabalho por tempo determinado é, por natureza, um mecanismo excepcional, num quadro em que a regra é a contratação por tempo indeterminado, caso contrário não faria sentido a consagração de um princípio constitucional da estabilidade do emprego no artigo 76.º da Constituição da República de Angola (CRA) - adiante voltaremos a esse assunto.
O "método da enumeração do caso" (lista taxativa de situações que legitimam a contratação a termo) é a principal emanação do carácter excepcional do contrato de trabalho a termo, por isso, ao eliminar a sobredita lista taxativa, o legislador suprime o único critério objectivo na hora de decidir entre contrato de trabalho por tempo determinado ou por tempo indeterminado. Na nova LGT, a escolha da modalidade de contrato de trabalho fica somente sujeita a um "acordo entre as partes", sem que o legislador tenha tido em conta que o empregador continua a ser a parte economicamente mais forte da relação laboral e, por isso, mais facilmente impõe a sua vontade (daí a nossa referência à "pseudoconsensualidade").
Nesta ordem de ideias, o regime do artigo 16.º da NLGT viola de forma clara o princípio da estabilidade do emprego estabelecido no artigo 16 da Constituição. O referido princípio postula "a proibição do despedimento sem justa causa", porém, como defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, num cenário em que a contratação por tempo determinado é a "regra", os empregadores "não precisam de despedir, bastando-lhes não renovar o contrato no termo do seu prazo".
A nossa Constituição, ao consagrar uma garantia contra a precariedade do emprego no que se refere a subsistência do vínculo laboral, implica, por um lado, que o legislador não está legitimado a excluir o método da "enumeração de casos" e deixar a decisão de contratar por tempo determinado ao "livre arbítrio do empregador".
Por outro lado, implica também que o legislador não pode "equiparar" as duas modalidades de contrato de trabalho, tendo como único critério de decisão, no momento da escolha, "o acordo entre as partes", partes essas que, num plano material, não se encontram em igualdade de circunstâncias! Pode-se ainda argumentar, para sustentar a inconstitucionalidade do artigo 16.º da NLGT, o facto de o legislador ter violado o princípio da igualdade (artigo 23.º da Constituição), pois que, ao permitir que a escolha da modalidade do contrato de trabalho seja feita com base no "acordo das partes", o legislador assumiu, de modo errado, que o trabalhador e o empregador são iguais, e que desse acordo de vontades resulta uma relação justa, o que não é verdade.
Assim sendo, a inconstitucionalidade resulta do facto de o legislador tratar de forma igual duas entidades que, na realidade, não o são. Secundo, trata-se do facto de se ter aumentado o período de duração máxima do contrato por tempo determinado (até dez anos em pequenas e médias empresas e cinco anos no caso das grandes empresas).
Neste caso, o legislador prolonga, de forma injustificada, a manutenção da situação de precariedade da relação laboral. A natureza excepcional do contrato por tempo determinado implica que a sua duração seja dimensionada de acordo com uma razão objectiva que lhe tenha dado causa (vg. substituição de trabalhadores temporariamente ausentes, trabalho sazonal, etc.) e como na NLGT não há uma enumeração de casos que justificam o contrato por tempo determinado, não se pode aferir também sobre a proporcionalidade e razoabilidade da duração dessa modalidade de contrato. Portanto, o legislador exagerou no seu esforço de flexibilizar o regime das relações laborais e não salvaguardou adequadamente a estabilidade contra a precariedade no emprego e, pelo caminho, atropelou os princípios constitucionais da estabilidade e da igualdade de tratamento.