A princesa e o trono
Hoje trago-vos notícias do reino. Isto porque a filha mais velha do rei deposto, tratada carinhosamente por princesa, quer disputar o trono com o novo rei. E foi anunciá-lo em terras longínquas, no reino dos antigos donos. Os escribas daquelas terras adoraram e projectam já um confronto emocionante com o novo rei, eles, que de repente passaram a ter um amor emocionante pela princesa.
Para além de algumas questões administrativas de cidadania, a princesa para entrar nesta disputa tem de resolver um problema de base - no reino não se elege directamente o rei, escolhe-se a corte, e é depois o chefe da corte mais popular que assume o trono. Por isso a cruzada não é simples.
Não é de querer que a antiga corte do seu pai, agora ao lado do novo rei, queira trocar de chefe. Também parece difícil que a corte que esteve em guerra com a corte do seu pai durante 27 anos aceite agora a princesa como líder. Também não é crível que pequenas cortes que se foram desenvolvendo à volta dos descontentes agora troquem de generais para esta batalha. Resta uma possibilidade. Fazer uma nova corte.
Se tivermos em linha de conta que tudo o que se conhece que a princesa construiu foi com a ajuda preciosa do seu pai, de forma directa ou indirecta, agora também não deverá ser diferente. Mas se no passado o antigo rei tinha um grupo enorme de seguidores, agora o campo de recrutamento está mais limitado. Mas terá certamente alguns indiscutíveis que terão disponibilidade para ajudar a princesa a concretizar o seu sonho. Parece-me que ainda assim muito poucos para quem quer sentar-se no cadeirão mais importante da nação, mas se os escribas do reino dos antigos donos estão eufóricos, certamente que saberão de coisas que no reino ainda são desconhecidas.
Mas não se deve menosprezar as capacidades da princesa. Principalmente a sua oratória, porque é capaz de argumentar sobre a beleza dos raios solares mesmo na frente da maior das tempestades. Mas também a sua habilidade de transformar commodities em produtos acabados sem gastar um níquel. Virtudes que lhe valeram mais um salto para a frente enquanto a pressão aumenta à sua volta.
Tem mais uma contrariedade - não se sente segura para vir ao reino, começam a surgir os primeiros sinais de insegurança no reino dos antigos donos, e possivelmente terá de estabelecer- se noutras terras mais geladas para defender as suas coisas. E, de longe, torna-se quase impossível chegar ao trono, como anunciou. Mas fica o desejo e a intenção - a princesa afinal quer ser rainha.
(Editorial da edição 557 do Expansão, de sexta-feira, dia 20 de Dezembro de 2019, já disponível em papel ou em versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui))