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"Muitas vezes ainda descrevemos o nosso povo com linguagem colonial"

PAULINA CHIZIANE - ESCRITORA MOÇAMBICANA

É no mar das letras que a escritora moçambicana defende o conhecimento e a cultura africana. Com mais de 30 anos de carreira, prepara-se para lançar em Angola o livro "Niketche: uma história de poligamia", que será editado pela Mayamba.

Considera-se não uma romancista, mas uma contadora de histórias. Quando é que sente a necessidade de contar histórias?

Sabe que não sei? Não tenho resposta para isso. Porque já dei muitas respostas e muitas delas são fantasias. De vez em quando acordo com aquela vontade de escrever alguma coisa que vi no ano passado, ou que me incomoda, então pronto, acabo por escrever. Não há uma fórmula, não há uma regra, é mais aquilo que eu considero como um momento de inspiração. Quando há mais, é preciso me libertar, então as coisas saem.

É algo que nasceu de forma natural?

Eu acredito que sim. Porque há pessoas que quando são felizes ou emocionadas, correm, outras jogam futebol, outras gritam. Então, quando a emoção vem, às vezes fico no silêncio e não digo nada. E quando dou por mim, já estou a escrever aquilo em que eu reflectia. Portanto, acredito que a natureza também tem a sua parte.

Um dos motivos que a trouxe a Angola foi para falar a um grupo de mulheres sobre soluções sustentáveis. Qual é o contributo da mulher nas soluções sustentáveis?

A mulher é a raiz. E a mulher é o ponto maior de sustento. O historiador disse-nos que dos quatro elementos da natureza, a mulher faz a gestão dos três. Portanto, o ar é para Deus. A mulher faz a gestão da água, faz a gestão do fogo e faz a gestão do planeta de uma maneira geral. A mulher esteve sempre presente mas às vezes olha-se para ela como um ser menor. Por causa de uma série de filosofias que nós adoptamos ou que foram impostas que recusam o real valor da mulher. Nós precisamos de nos libertar disso.

Para si os estudos e as pesquisas africanas devem ser feitas afastadas do conceito ocidental.

Exactamente. Temos que nos apegar a nós próprios. Logo, para chegar a esse ponto, o próprio africano deve libertar-se e aceitar-se. E é um processo. Não é de um dia para o outro. Porque até na linguagem, muitas vezes, descrevemos o nosso povo com linguagem colonial. É um exercício que temos que fazer até à nossa total libertação.

Menciona que os africanos precisam de referências. É algo que nos faz falta?

Em relação à mulher africana, negra, falta tudo. Quando se fala do feminino ou do feminismo, fazem-se referências de pessoas de fora, fazendo um apagamento da história da África. E nós, africanos, às vezes também colaboramos por falta de conhecimento da nossa própria história. A partir do momento em que a nossa história vem às nossas mãos, a gente desperta. Eu não preciso de ir buscar o exemplo de alguém de fora, porque a África tem. Mas como não sabia que tinha, ficava baseada naquilo que os outros dizem. A partir do momento em que me aproprio da minha história, eu mudo e começo a aceitar.

E é isso que se precisa, de aceitação?

Exactamente. Nós temos muitas referências. E temos que trabalhar. Porque cada país, cada espaço africano, tem tanta história. E temos que trabalhar para resgatar e fazer a libertação da história que nos vai inspirar a enfrentar os desafios do futuro que nós temos.

Qual é o seu parecer sobre o empoderamento feminino?

Eu não sei. Falando das línguas bantu, das línguas da terra de onde eu venho, não sei o que significa empoderamento. E é muito difícil traduzir. O que eu sei da história é que as mulheres têm o seu poder. Se houver alguma coisa nova que se deva fazer com as mulheres, é potenciar o poder que elas têm. Porque elas nascem com poder. Não há pessoa que nasça sem poder. O que é empoderamento? Devolvo-lhe a pergunta porque eu não sei responder.

Qual é a análise que faz do contexto socio-económico, não só de Moçambique, mas dos países africanos?

Estamos num processo histórico. Primeiro foram outras lutas, depois vem a independência, depois os conflitos internos. E a dinâmica determina o surgimento de uma nova etapa. Portanto, isso de dizer que o país está independente há 40 anos ou 50, então deveria ter isto ou aquilo, é falso. Cada tempo faz a sua lei. Sim, cada tempo faz a sua lei. E 50 anos na vida de um povo não é nada. Há países com 500 anos de independência que ainda sofrem mais do que nós africanos com 50 anos de independência. Então tudo é relativo.

Paulina escreve o contexto social moçambicano e africano. Como é que olha a questão da pobreza?

Sabe de uma coisa, eu não sou política. Não estou em nenhuma instituição. Então, algumas palavras tenho dificuldade de decifrar. Quando se fala de pobreza, de que está a falar?

Pobreza económica...

Eu acho que essa pergunta tem uma resposta cultural. Quando eu perguntei que tipo de pobreza, porque existe uma pobreza moral, uma pobreza espiritual e pobreza económica. Às vezes nós pensamos que a satisfação das necessidades económicas é tudo. Pode não ser verdade. Portanto, a pessoa precisa preencher todos os níveis de pobreza. Muitos dos países com riqueza são espiritualmente pobres. Temos, por exemplo, o Japão, que é recordista em suicídios. Porquê? Então, é uma situação complexa. Mas, definitivamente, nós como africanos temos que trabalhar para melhorar a situação económica dos nossos países. E esta fase da luta pela emancipação económica é a fase crucial dos nossos países africanos. Temos que continuar a lutar por isso.

Leia o artigo integral na edição 780 do Expansão, de sexta-feira, dia 14 de Junho de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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